24.04.2010 -Reportagem da revista ISTOÉ, ediçäo de abril 2010.
A história das monjas brasileiras que se mudaram para a Europa e impediram que o último mosteiro dinamarquês fosse fechado.
Às 15 horas já não havia mais claridade no horizonte e as luzes do mosteiro do vilarejo de Aasebakken (lê-se “ôzebáken”), situado no município de Birkerod, no norte da Dinamarca, tinham de ser acesas. A temperatura amena proporcionada pelo aquecimento interno do convento – que, até 1942, funcionou como residência de um embaixador – contrastava com o inverno rigoroso observado pela janela. Fazia 30 anos que não nevava tanto na Dinamarca. Em dezembro passado, o mês mais gelado, as monjas brasileiras Amábile Auxiliadora Dias, Maria Jacinta Ramos e Anna Maria Cabral se mudaram para o mosteiro. Nos quatro meses seguintes, os flocos brancos vindos do céu só não foram mais constantes na rotina das novas hóspedes do que as orações. Beneditinas, essas freiras entoam salmos em uníssono sete vezes por dia, em geral, entre 6h30 e 20h30.
O clima gélido do país, a luz natural que some no meio da tarde e a distância da terra natal, porém, não desviam as brasileiras da missão que as fizeram se estabelecer em Aasebakken: salvar o único mosteiro beneditino católico do país, que corre o risco de sumir do mapa. Isso estava prestes a acontecer por falta de novas monjas para ocupar o casarão de 50 cômodos do mosteiro, fundado há quase 70 anos por uma alemã.
Madre Margarida Hertel, além de responder pela transformação do casarão dinamarquês em convento, estreitou os laços entre as religiosas do Brasil e da Dinamarca ao desembarcar no País e patrocinar a criação dos mosteiros de Nossa Senhora da Glória, em Uberaba (MG), e de São João, em Campos do Jordão (SP), em 1948 e 1964, respectivamente. “Por causa das irmãs de fora, as brasileiras conheciam toda a história da rainha Margarida, do príncipe Frederik, da princesa Alexandra da Dinamarca e por aí vai”, lembra a atual abadessa do mosteiro de São João, Myriam de Castro, 48 anos.
No 40º aniversário do convento de Campos do Jordão – onde as irmãs Amábile, Maria Jacinta e Anna Maria viviam antes de partir para o Hemisfério Norte –, a abadessa escreveu para as irmãs de Aasebakken convidando- as para os festejos. Rompeu-se aí um hiato de 40 anos sem informações entre as religiosas dos dois países. A resposta das estrangeiras as comoveu. “Elas escreveram que a comunidade
estava morrendo e que, por causa do número reduzido de vocações na Europa, a salvação seria o socorro das brasileiras”, conta a irmã Maria de Nazaré, 68 anos, que esteve na Dinamarca em 2006 acompanhando e traduzindo o idioma para o primeiro grupo de três brasileiras que lá desembarcaram.
Todos os anos, no último domingo de maio, Aasebakken é tomada por duas mil pessoas. Depois de caminhar por uma floresta em companhia dos sacerdotes de suas paróquias, rezando o terço naquela que é conhecida como a maior romaria católica da Dinamarca, elas lotam o gramado ao redor do casarão. Quatro anos atrás, esse centro de peregrinação composto por 11 alqueires de terra – palco de uma missa celebrada por João Paulo II, em 1989, quando esteve em solo dinamarquês em visita oficial – era ocupado por apenas cinco freiras. Esse número já foi de 30 no século passado. “A Dinamarca possuía cerca de 50 mosteiros. Com a reforma luterana, os católicos passaram a sofrer grandes pressões, as monjas foram morrendo e só restou Aasebakken”, explica o biblista e cônego Celso Pedro da Silva, reitor do Centro Universitário Assunção (Unifai).
Atualmente, residem no convento quatro brasileiras e uma dinamarquesa. “Estamos iniciando uma refundação. Por enquanto somos uma presença silenciosa orante”, conta a irmã Anna Maria, que se tornou a primeira brasileira com o título de superiora dentro da casa. No mês que vem, a abadessa Myriam desembarcará na Dinamarca acompanhada de uma quinta brasileira para Aasebakken. Com 27 anos, natural do Ceará, a irmã Rafaela da Silva está ansiosa para contribuir. “O que Deus criou nada vai destruir. É uma alegria, uma realização poder ajudar”, diz.
Pelo acordo feito entre as religiosas, a abadessa brasileira terá de visitar Aasebakken anualmente durante três anos para avaliar se a empreitada está valendo a pena. Os progressos, segundo Myriam, já são visíveis. “Houve a retomada do louvor divino. Elas conseguiram celebrar a Páscoa e já há uma candidata dinamarquesa a se tornar freira, o que é um sinal de que há uma esperança de vida religiosa lá”, conta ela.
Três das quatro brasileiras fazem aulas de dinamarquês. São cinco horas de estudos, três vezes por semana. Por viver na Dinamarca desde 2006, a irmã Maria Vitória Nascimento está adiantada em relação ao idioma. Brincam suas colegas religiosas que, de tão adaptada ao país nórdico, Maria Vitória, uma negra de 50 anos, só falta adquirir olhos azuis. O cônego Pedro da Silva lembra de uma passagem que viveu na Dinamarca, quando lá esteve visitando as monjas brasileiras. “Estávamos almoçando no refeitório dos hóspedes e a irmã Maria Vitória entrou carregando uma cerveja”, conta. “Aí, ela disse: ‘Quando são os padres delas (dinamarquesas) que nos visitam, elas põem cerveja na mesa. Então, para os nossos, também vai ter’.”
Além dos estudos, as monjas cuidam da limpeza dos cômodos da casa principal, da hospedaria dos visitantes e de outros trabalhos caseiros. E estão se adaptando à solidão do lugar. Em Campos do Jordão, elas tinham bastante contato com a população da cidade. Em Birkerod, tudo é muito isolado, distante do contato com as pessoas. Nas estradas e parques não se encontra gente com frequência . Mais: não há muitos católicos. Com cinco milhões de habitantes, a Dinamarca é um país luterano: 90% da população segue essa doutrina. Os católicos somam 35 mil (0,7%), enquanto os muçulmanos, 150 mil (3%). “Muitos leigos, no entanto, têm nos procurado para desfrutar do silêncio do mosteiro”, conta a irmã Anna Maria.
E, assim, as portas do mosteiro de Aasebakken seguem abertas. Para leigos, religiosos, dinamarqueses ou brasileiros como a irmã Amábile, 32 anos, que, feliz na Dinamarca, enviou uma foto para as monjas que ficaram no Brasil com o seguinte título: “Minha primeira neve.” (fim)
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