Sinal dos Tempos: o moderno padre da Catedral Metropolitana de Porto Alegre


02.04.2010 -

Não seria surpreendente se na missa dominical da Catedral Metropolitana de Porto Alegre o sermão do padre Jacques Szortyka viesse inspirado em um dos episódios de House, seriado norte-americano que é fenômeno de audiência no mundo inteiro. Também não seria surpreendente se o padre Jacques reproduzisse aos fiéis diálogos entre o mafioso Dom Corleone e o cardeal de O Poderoso Chefão 3. Menos surpreendente ainda seria esbarrar no padre vestido com calção, camiseta e tênis, cantarolando algum hit de hip hop nas imediações da Usina do Gasômetro. Desde o dia 18 de janeiro, a Catedral Metropolitana de Porto Alegre, a principal igreja da Capital, tem como guardião físico e espiritual um padre nada convencional. Jacques Szortyka assumiu o posto após 10 anos de administração do padre Carlos Steffens, 49 anos, que atualmente se dedica à especialização em direito canônico no Rio de Janeiro. Foge do estereótipo de padre silencioso, de poucas palavras e voz quase inaudível. Tem 33 anos (a idade de Cristo), um par de olhos azuis, é jovem, entusiasmado, faceiro, como bem definiu um casal de noivos que o conheceu após uma das missas de domingo. É também fascinado pela tecnologia. Em seu escritório, na Catedral, tem a companhia inseparável de um notebook e de um smartphone. Pede para ser tratado por tu ou você. E faz questão de estar sempre com a barba e o cabelo impecáveis. O sorriso no rosto não muda nem para discorrer sobre temas desconfortáveis a homens de incontestável fé cristã.

– Já sofri assédio de homens e de mulheres - conta ele, sem o menor constrangimento. – Não posso xingar essas pessoas, porque é o sentimento delas. Mas deixo bem claro que sou muito feliz no sacerdócio.

Passaram-se apenas cinco anos desde sua ordenação como padre até a posse na Catedral Metropolitana. Há dois meses, anunciou em seu Twitter: "Convite: Próximo domingo, às 10h, Dom Dadeus me dará a posse na Catedral de Porto Alegre. Conto com as orações de todos".

Desde então, assume as funções administrativas, como chefiar nove funcionários e zelar pelo espaço físico da catedral. É o mestre da palavra, responsável pelas missas e pela orientação de grupos pastorais e catequeses, além de ministro dos sacramentos, batizados e casamentos. Padre Jacques tem Twitter, Orkut, Facebook, MSN e Skype. É fã do seriado protagonizado por Gregory House, , capaz de desvendar os maiores mistérios da medicina ao diagnostico médico ateu confessoar casos bizarros. Acredita na religiosidade do personagem – "um cara que está sempre em busca da verdade". Também adora Glee e Friends. Lança mão da tecnologia para evangelizar e usa trechos de filmes e séries em apresentações de PowerPoint em suas palestras. Bem-humorado, confessa um "pecado":

– Eu sempre baixo pela internet os episódios (dos seriados americanos) antes de passar na TV aqui no Brasil – diverte-se. – Tem até uma comunidade no Orkut que diz 'pirataria não, cópia de segurança' – brinca, tomando chimarrão e exibindo a térmica adesivada com o escudo do Internacional.

Padre Jacques acorda todos os dias às 6h30min e só volta para o quarto que ocupa na Casa Paroquial, um anexo da catedral, às 22h. Nesses dois meses de guardião da igreja, já conquistou a simpatia de todos que por lá trabalham há mais tempo.

– Estou muito motivada com sua chegada, porque ele vai cativar mais fiéis para a Catedral. Seus sermões não deixam ninguém cochilar – comemora Lenedi Ferreira, 62 anos, secretaria da catedral há cinco. – Ele é moderno, mais jovem e mais dinâmico. Por isso mexe mais com a comunidade. É capaz de ir à porta da catedral apertar a mão de cada um dos fiéis.

A rotina do padre é organizada pela secretaria em uma planilha com todos os horários e compromissos do mês. Está completa até agosto. De segunda a sexta, ele reza duas missas, dedica uma hora e meia para manter a saúde e o corpo em forma na academia de ginástica, permite-se meia hora de sesta, duas horas para reuniões de catequese, conselhos e pastorais e outras duas para o estudo.

Natural de Eldorado do Sul, sente-se integrado à comunidade e ao bairro. Às quintas-feiras, faz aula de italiano em uma escola no Centro. É um preparatório para a temporada de pós-graduação em filosofia em uma universidade de Roma, na Itália. Quando vai ao supermercado, diverte-se com a surpresa das pessoas frente à sua figura.

– Elas dizem 'mas padre, o senhor aqui?'. Padre tem que comer, né? Não vive de vento – sorri.

Na contramão da trajetória percorrida por muitos padres – que decidem pelo ofício ainda crianças – ,Jacques optou pela carreira no fim da adolescência, contrariando a vontade dos pais. Primogênito dos três filhos de Joaquim Ribeiro Rodrigues, 57 anos, e Maria Inês Szortyka Rodrigues, 52, teve seu contato mais direto com a igreja aos 18 anos – impulsionado pela paixão por uma garota. Juntou-se ao grupo de jovens que ela frequentava só para estar mais próximo da amada. Conquistou seu coração e namoraram durante alguns meses. Em pouco tempo, seu interesse inverteu-se.

– Passei a gostar do grupo pelo grupo, não mais pela guria – lembra. – Meus pais brigavam comigo porque eu passava mais tempo na igreja do que em casa.

Não tardou para transformar a rotina. Abandonou as visitas aos CTGs aos sábados, onde adorava dançar, para seguir a disciplina da igreja. A pressão dos pais – ele pedreiro, ela, costureira – para que "deixasse disso" não diminuiu. Queriam que Jacques tomasse um rumo na vida. E ele decidiu servir a Aeronáutica. Desistiu no primeiro dia, ao voltar para casa esbaforido depois de uma bateria de testes físicos. Procurou um padre de sua cidade para se aconselhar. Foi quando ouviu uma pergunta que soou como um soco no estômago: "Você nunca pensou em ser padre?".

– Deus não manda um anjo com a voz do Cid Moreira dizendo qual é a nossa vocação. Ele vai mostrando essa vocação por caminhos que, a princípio, a gente não entende.

Até sua ordenação, quando de fato se tornou padre, aos 28, ele enfrentou nove de estudos em filosofia e teologia, resistindo à tentação de um CTG localizado logo em frente ao seminário, em Viamão. Hoje, se diz feliz e realizado com a escolha vocacional, o que lhe dá tranquilidade e nenhum aborrecimento para tocar em assuntos polêmicos dentro da Igreja Católica, como pedofilia, homossexualidade e camisinha. Com a oratória de quem não contesta o caminho trilhado, sintetiza:

– Por mais que mude a mentalidade das pessoas, a Igreja jamais vai ter autoridade para permitir questões como a camisinha e o divórcio sem trair o Evangelho.

Sobre homossexualismo, ele lembra de uma conversa com um grupo de jovens:

– Uma vez me perguntaram: "Padre, então vou viver na secura?". Eu disse: "Olha, meu caro, sou hetero, vivo na secura e sou extremamente feliz". Não é porque sou hetero e tenho atração pelo sexo oposto que terei que ter alguma relação. Com o homossexual, funciona da mesma forma. A Igreja não condena o homossexual, mas o ato homossexual – explica.

O padre, aliás, não nega a dificuldade do celibato, mas o defende como o grande tesouro da Igreja Católica:

– Sou homem, e a gente sente atração – admite. – Se não sentisse, procuraria um psicólogo para descobrir o que há de errado comigo. Por isso, a orientação espiritual é tão importante, se apegar forte na oração e canalizar as energias. Diante da natureza humana e do assédio, é difícil a luta de viver o celibato, mas, com a graça de Deus, tenho conseguido vencer.

Por canalizar energias, esforça-se em uma rotina espartana de exercícios físicos diários e previne tentações, como sair com grupos de amigos para fazer o que pessoas da sua idade fazem - dançar, paquerar e se divertir.

– O equilíbrio permite viver o sacerdócio de forma plena. Caso contrário, eu seria o padre santinho diante da comunidade, mas com vida dupla paralela. O coração humano não se realiza dividido.

Defensor da boa aparência de um padre – "somos a vitrina da paróquia" – , mas crítico da vaidade excessiva, Jacques usa três diferentes perfumes. Em compensação, o guarda-roupa é restrito apenas a trajes de padre e às roupas esportivas. Com elas, malha durante uma hora e meia todos os dias. Nos finais de semana, pratica corrida na Usina do Gasômetro, sempre acompanhado de seu hip hop no MP3 Player. Há três anos, num exame de rotina, levou bronca da médica. Ela o sentenciou à morte antes dos 40 anos caso os triglicerídeos continuassem nas alturas. De lá para cá, perdeu 24 quilos, só come salada e pão integral e abandonou o jantar composto por dois cheeseburgueres e uma pizza grande. À noite, permite-se apenas um lanche leve - e hoje ostenta 90 quilos em 1m83cm.

Devoto de Josemaria Escrivá, fundador da Opus Dei, padre Jacques gostou do best-seller O Código da Vinci, de Dan Brown. Devorou o livro, aliás. Mas observa:

– Quem não tem conhecimento não consegue distinguir entre realidade e ficção. Ele fala em monges da Opus Dei. Não há monges na Opus Dei – alerta.

Todos os anos, pouco antes da Semana Santa, gosta de assistir ao polêmico filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, por acreditar que as cenas reproduzem a realidade e "lembram o que o Senhor fez pelo próximo".

De folga às sextas-feiras durante a tarde, costuma visitar a casa dos pais, em Guaíba, e jantar com o irmão mais velho, em Eldorado do Sul. Os dois salários mínimos que recebe por mês são gastos em DVDs, livros de filosofia e presentes para a família. O apego aos pais e aos irmãos é evidente e muitas vezes declarado em olhos marejados. É a mãe, Maria Inês, quem confecciona as roupas de sacerdote do filho: túnicas, batinas e casulas. Tamanho afeto não impede que, vez ou outra, Jacques demonstre certa frustração com a resistência de alguns familiares que, segundo ele, ainda relutam em aceitar sua profissão.

– Às vezes, tenho de ouvir piadas de mau gosto sobre freiras e sobre a vida "fácil" de um padre. Já tive grandes discussões por causa disso. Apenas sonho em ser visto pelos familiares como um homem normal que é padre – desabafa.

A mãe jura que esse conflito é passado, tanto que se especializou em confeccionar roupas para padres.

– Quando soube da decisão de ele se tornar padre, fiquei surpresa, mas aceitei bem – conta. – Já meu marido teve uma crise. Não queria de jeito nenhum o filho mais velho padre. Dizia que não tinha criado filho para ser padre. Quando Jacques nos contou que queria ser padre, Joaquim achou que, na verdade, ele não queria era trabalhar. Não quis pagar o primeiro ano de seminário para o filho. Hoje, Joaquim baba por ele, é todo orgulhoso.

Fonte_ http://www.clicrbs.com.br

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Nota de  www.rainhamaria.com.br  -  por Dilson Kutscher

Apenas uma simples pergunta: Quantos padres ainda existem como este do texto abaixo?

* * *

Padre Antônio. (o velho e tradicional Vigário)

Numa cidadezinha perdida e esquecida, lá nos confins deste tão imenso Brasil, existe uma igreja quase sem existir. Em torno, mil ou duas mil almas mais ou menos desalmadas; dentro, um velho vigário a fazer contas intermináveis, e um padre coadjutor, na sacristia, a olhar o morro, a linha férrea lá longe, o rio, talvez o céu.

Já traz cinzas na cabeça e uma curvatura nas costas, mas naquele momento o que mais lhe pesa é a solidão que cerca a velhice que se aproxima. Está ali. Não é nada. Não sente forças para fazer nada pela vila indiferente que quer viver sua vida rotineiramente encaminhada para a morte. Sente-se inútil a mais não poder. Quer que ele celebre a única missa da féria, e com uma só porta apenas entreaberta. Precaução aliás inútil porque ninguém mais aparece nas missas dos dias da semana. O povo não gostou quando o vigário tirou os santos que há mais de cem anos povoavam a velha igrejinha. Diminuiu a assistência à missa, diminuíram as confissões. A conversa com o vigário, na hora do jantar, reduz-se a monossílabos.

Padre Antônio torna a pensar nas coisas que se perderam: a água benta, a oração do terço à noite, os santinhos que dava aos moleques na rua com magnanimidade, e tudo o mais que fazia companhia, que cercava a alma da gente nas igrejinhas da roça. Por que esta devastação? O vigário não gosta de abordar o assunto. Sofre a seu modo, com a tenacidade obtusa dos animais feridos. Cerra os dentes. Não pensa. Não fala. Faz o que o bispo mandou fazer e encerra-se num mutismo quase vegetal. Às vezes parece ter gosto de transmitir seu sofrimento fazendo um outro sofrer. É seu modo de conversar, e quem paga é padre Antônio.

Um dia padre Antônio não encontrou sua velha batina e teve de pedir uma explicação a d. Ana e ao vigário. Explicaram-lhe que estava imprestável. Ganharia nova batina? Não. Clergy-man também é muito caro. Padre Antônio deveria comprar na loja do João Mansur umas calças de lonita e duas camisas esporte. E é com esta roupa pobre que padre Antônio agora se debruça na janela e consulta o infinito. Pobre, pobre padre Antônio. Ele nunca foi propriamente vaidoso e preocupado com a roupa que haveria de vestir, como aconselha Nosso Senhor. Mas essa história da batina doía-lhe ainda como se estivesse em carne viva, como se 1he tivessem arrancado a pele. E o pior é pensar que é com esta roupa por baixo, esta roupa de rua, esta roupa sem bênçãos que deve celebrar a Santa Missa. Disseram-lhe que era mais prático usar uma só alva por cima do traje esporte. E esta alva não era mais daquelas antigas, rendadas e compridas. Padre Antônio não queria as rendas para si, já que era desgracioso e escuro: queria-as para enfeitar o louvor de Deus. Mesmo porque, descontada alguma andorinha, nenhum ser vivo aparecia para assistir ao Sacrifício de nosso Salvador. Nem valia a pena bater a campainha. As novas alvas não têm rendas. São ordinárias e curtas, sim, curtas, porque o importante é aparecerem as calças para todo o mundo ver que o padre é homem, como outro homem qualquer.

Está na hora de preparar a missa da tarde, e padre Antônio sente a tristeza aumentar. Está só. Está só. Não tem com quem falar. Poderá conversar na farmácia com a turma do gamão do Frederico, mas depois a volta para a casa é ainda mais pesada. Poderá perguntar a d. Emília se está melhor do reumatismo, e a d. Maria se o marido já voltou do Rio. Mas não tem ninguém com quem possa falar, com quem possa desabafar, a quem possa explicar a desmedida tristeza de vestir por cima das calças uma alva sem rendas, e a quem possa dizer a saudade que tem da batina preta, a batina bendita em que um dia amortalhara o homem velho para viver em Cristo Nosso Senhor. E não tem ninguém a quem possa perguntar tremendo: «O que é que está acontecendo em nossa Igreja? E o Papa?» Ou então alguém, um irmão, um padre, a quem possa dizer com medida indignação: «Não pode ser! Não pode ser! As portas do inferno não prevalecerão!»

Padre Antônio olhou mais uma vez para o horizonte que a noite já escondia. O mundo começava além daquela serra... O mundo! Padre Antonio curvou a cabeça como um condenado. Estava preso! Estava preso! Abriu então as duas mãos grandes e magras que considerou com triste ternura: um dia elas tinham recebido o poder de consagrar o Pão e o Vinho, e de trazer assim ao mundo, como a Virgem Santíssima, o Corpo de Deus. Mãos grandes, mãos nervosas e escuras, mãos consagradas. Ao menos esta pele não lhe arrancam, esta marca não lhe tiram.

Num desamparo infinito padre Antônio contemplava as duas mãos frementes, tão poderosas e tão inúteis. Turvava-se o espírito, vacilava a razão e a fé. Estão ali as mãos. E o resto. E a água benta? o Latim? as coisas da Igreja? As palmas inúteis não respondiam às suas indagações, e até pareciam pedir-lhe uma resolução, uma decisão, já que a mão foi feita mais para fazer do que para pensar... O que é isto? O que é isto nas palmas das mãos? Estará chovendo? Padre Antônio, padre Antônio, o senhor está chorando. Quem foi que falou? Ninguém. Ninguém. É o próprio padre Antônio que tomou o costume de falar com o padre Antônio.

Juntam-se as mãos. E das profundezas dos abismos que todos trazemos, mesmo debaixo de uma camisa esporte, subiu um clamor de aflição: «Usquequo exaltabitur inimicus meus super me? Respice et exaudi me! Respice et exaudi me! Respice et exaudi me, Domine Deus meus...».

E então, neste momento infinito, padre Antônio teve a incomparável certeza de que não estava só.

Por Gustavo Corção (15-2-69)


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