21.02.2009 - Com seus penhascos verdes e ásperos e céus carregados de neblina, a ilha Macquarie - entre a Austrália e a Antártica - é a Meca dos amantes da natureza. Mas a ilha recentemente se tornou um exemplo preocupante do que pode acontecer quando os esforços para se eliminar espécies invasoras acabam causando efeitos colaterais inesperados.
Em 1985, cientistas australianos iniciaram um plano ambicioso: exterminar os felinos não-nativos que vagavam pelos declives da ilha desde o início do século 19.
O programa começou por necessidade aparente - os felinos estavam caçando pássaros nativos. Vinte e quatro anos depois, uma equipe de cientistas da Divisão Antártica Australiana e da Universidade da Tasmânia relata que a eliminação dos felinos inesperadamente destruiu o ecossistema da ilha.
Sem os felinos, os coelhos da ilha (também não-nativos) começaram a se reproduzir descontroladamente, depredando plantas nativas e causando efeitos em cadeia no ecossistema. As descobertas foram publicadas online no Journal of Applied Ecology em janeiro.
"Nossas descobertas mostram que é importante que cientistas estudem o ecossistema como um todo antes de realizar programas de erradicação," disse Arko Lucieer, especialista de sensoriamento remoto da Universidade da Tasmânia e co-autor do estudo.
"Não houve muitos programas que levaram o sistema inteiro em consideração. Você precisa visualizar o cenário todo: 'se matarmos esse animal, que outras conseqüências existirão?'"
Caçadores de focas trouxeram os coelhos para Macquarie em 1878, agravando o problema de espécies invasoras na ilha de 33 km de extensão. Em 1968, quando autoridades introduziram o mortal vírus mixoma na tentativa de matar os coelhos, a população dos roedores já havia chegado a mais de 100 mil.
A estratégia funcionou; nos anos 1980, a população de coelhos havia caído para menos de 20 mil. Mas com isso, os felinos, que dependiam dos coelhos como fonte de comida, começaram a se alimentar das aves marinhas.
Para avaliar as conseqüências do extermínio de felinos, a equipe de ecologistas comparou imagens de satélite da ilha em 2000, ano em que os últimos felinos foram mortos, ao cenário de 2007. Quando a vegetação morre, a queda bruta de clorofila reduz o fator de reflexão no infravermelho proximal de uma maneira que pode ser constatada.
"Você pode ver claramente a diferença entre as plantas saudáveis e mortas em nossas imagens," Lucieer disse. "A vegetação viva aparece em vermelho intenso." Os cientistas também estudaram profundamente trechos do terreno da ilha para descobrir as espécies de plantas que os compunham.
As imagens de satélite posteriores revelaram uma paisagem completamente diferente. A população excessiva de coelhos havia destruído as relvas exuberantes nas encostas do litoral, deixando-as descobertas. Relvas e ervas exóticas começaram a se espalhar pelos declives descobertos, formando uma rede densa de gramas e caules que em alguns lugares impediu que as aves marinhas nativas pudessem ter acesso a locais adequados para construir seus ninhos.
A destruição de Macquarie não é um incidente isolado; diversos outros programas de eliminação de espécies causaram danos nos ecossistemas ao redor.
Na Nova Zelância, conservacionistas decidiram destruir três espécies não-nativas em um programa - ratos, gambás e arminhos - através do envenenamento dos dois primeiros.
A lógica disso era que a operação de envenenamento eliminaria as populações de arminhos por tabela, porque os ratos eram um componente crucial de sua dieta. Mas quando o plano começou no início dos anos 1990, os arminhos não desapareceram. Sem os ratos, os arminhos passaram a caçar as aves nativas e seus ovos.
Similarmente, no oeste dos Estados Unidos, a eliminação de arbustos exóticos do gênero Tamarix ameaçou uma espécie de passarinho em risco de extinção, o Maira-fibiu do sudoeste do país.
Esses arbustos, que tomaram grande parte da vegetação nativa, absorvem tanta água que acabam reduzindo canais fluviais e deixando o solo mais salgado, mas também fornecem um habitat importante para os ninhos do Maria-fibiu.
Em 2005, oficiais do Departamento de Agricultura começaram a lançar escaravelhos de folhagem para controlar as populações de arbustos Tamarix.
Em dezembro de 2008, a organização sem fins lucrativos Center for Biological Diversity deu o troco, entrando com um aviso de intenção de processo contra o departamento por sua falha em colaborar com o Serviço de Peixes e Vida Selvagem na busca de uma forma de proteger o Maria-fibiu.
Os cientistas que estudaram a ilha Macquarie acrescentaram suas descobertas a resultados anteriores e esperam que os esforços futuros de ecologistas sigam uma abordagem mais holística, com investigação ampla das conseqüências possíveis da eliminação de espécies exóticas em um ambiente antes de iniciar programas de extermínio.
"Houve centenas de esforços de erradicação de espécies invasoras e a grande maioria resultou em ganhos de conservação claros," disse Erika Zavaleta, uma ecologista da Universidade da Califórnia, Santa Cruz. "Mas a ilha Macquarie é um exemplo novo e claro de efeitos colaterais inesperados que podem acontecer."
Segundo Zavaleta, para evitar que os problemas se agravem com as tentativas de solucioná-los, os pesquisadores precisam planejar e monitorar seu mantra. "Os cientistas precisam meditar sobre perguntas chaves, como qual a forma de interação entre todas as espécies da ilha."
A ilha Macquarie oferece a chance de fazer exatamente isso. Um novo programa de erradicação sendo planejado no momento tem como alvo milhares de ratos, camundongos e coelhos.
Em teoria, isso deveria eliminar as ameaças terríveis à flora e fauna locais, porque os coelhos destroem a relva nativa, enquanto que ratos e camundongos comem filhotes de aves marinhas. Mas desta vez, os administradores do programa estão preparados para fazer correções de curso caso as coisas não aconteçam como planejado.
"Esse estudo claramente demonstra que quando conduzimos um esforço de eliminação, não sabemos exatamente qual será o resultado," disse Barry Rice, um especialista de espécies invasoras da Nature Conservancy. "Não se pode entrar e realizar uma única operação cirúrgica. Cada tipo de controle que é feito vai causar algum dano."
Fonte: Terra notícias