14.01.2009 - No minúsculo jardim florido de Irene Rodriguez, nas alturas de Sierra de Guadalupe, a roupa está pendurada sobre fios na ordem em que foi lavada: primeiro o branco, depois as roupas de cor clara, depois os jeans. Pois a água produzida na máquina de lavar deve ser utilizada várias vezes: para a higiene dos cinco filhos, e depois para as várias lavagens, antes de terminar no fundo do vaso sanitário.
"Aqui, faz oito anos que a água não sai mais da torneira, conta Irene Rodriguez, e que nós a recebemos duas vezes por semana por caminhão-pipa. Somos obrigados a reciclar".
Ao redor de sua choupana, como nos quintais de seus vizinhos, uma imensa quantidade de recipientes - baldes, barris, tanques de PVC - mostra a necessidade de estocar o precioso líquido.
Esse labirinto de construções anárquicas, cujas ladeiras vertiginosas foram pavimentadas com cimento pelos habitantes, se chama El Mirador. A vista sobre a capital seria imbatível se uma névoa poluída de reflexos sulfurosos não turvasse as perspectivas do vale do México. Os bairros chiques em torno do bosque de Chapultepec estão somente a uma hora de carro quando não há trânsito: villas equipadas com seis banheiros, grandes gramados, piscinas, garagens repletas de veículos que pelotões de empregados aspergem com uma mangueira. Um outro mundo.
As zonas residenciais não deveriam sofrer muito com os racionamentos que acaba de anunciar a Comissão Nacional de Água (Conagua). Por causa de chuvas insuficientes, o nível das barragens do centro do país baixou perigosamente no começo da estação seca: elas estão a 63% de sua capacidade, contra os 85% usuais. "Hoje nós temos um déficit de 170 milhões de metros cúbicos. Precisaremos reduzir pela metade, durante três dias nos fins de semana e até maio, as quantidades que forneceremos para a capital e para o Estado (limítrofe) do México, explica José Ramon Arvarin, diretor-geral adjunto da Conagua. Mas a repercussão desses cortes, suportáveis em si, será multiplicada pelas falhas da rede urbana".
É a primeira vez que as autoridades federais são levadas a tomar tais medidas desde a instalação, 30 anos atrás, do "sistema de Cutzamala", que coleta as reservas de sete represas e as encaminha por um aqueduto de 110 quilômetros em direção à zona urbana onde vivem 20 milhões de habitantes. Mas essa contribuição só cobre um quarto das necessidades de uma das megalópoles mais sedentas do mundo: "O México consome quase 300 litros por dia e por habitante, o dobro das grandes capitais europeias", ressalta Ramon Aguirre, diretor da rede canalização de água da capital.
O racionamento só revela antigos problemas, resultado de uma negligência dos poderes públicos e de dificuldades geológicas, em especial, graves deslizamentos de terra. As perdas decorrentes tanto dos vazamentos domésticos como nas falhas da rede atingem 38% (contra 26% em média no resto do país). As águas de chuva vão direto para o esgoto, e somente 6% das águas usadas são tratados. Uma enorme unidade de saneamento está sendo projetada no Estado de Hidalgo, ao nordeste do México.
Em espera, as tensões vão se acentuar em torno de uma distribuição muito desigual: nem 15% dos 2 milhões de habitantes de Ecatepec (a maior municipalidade da região, da qual El Mirador é um dos bairros) são atendidos permanentemente. Os outros são dependentes de 40 caminhões-pipa, que levarão ainda mais tempo para se reabastecerem nos dias em que o volume diminuir.
"Isso promete!", suspira Jorge Padilla, engenheiro há dez anos no Sepase, serviço público de água de Ecatepec, que muitas vezes enfrentou manifestações de usuários, e às vezes até ameaças de linchamento.
Segundo ele, a água é um tema sensível neste subúrbio popular controlado pela esquerda, mas desejado pela direita, no poder do nível federal, e pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI, centro), que governa o Estado do México.
"Nunca tivemos tantos cortes de água e de eletricidade, ele nota. Tudo isso é manipulado, a alguns meses das eleições".
Alguns esperam que o racionamento vá marcar o início de uma conscientização. "É preciso melhorar as canalizações, mas também diminuir a demanda ao modificar a estrutura das tarifas, afirma Ramon Aguirre. Devemos mudar os hábitos de consumo excessivo. Barcelona se sai bem com 114 litros por dia e por habitante".
Fonte: UOL notícias
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Lembrando...
Mais de um bilhão de seres humanos sem acesso à água
19.03.2008 - A ONU dedica esta quinta-feira a uma Jornada Mundial da Água, cuja escassez afeta mais de um bilhão de seres humanos, situação que ficará ainda pior no futuro sob a dupla pressão do aquecimento global e da demanda exponencial da população mundial.
Neste ano a data - adiantada desta vez em dois dias por causa do final de semana de Páscoa - permite medir a ausência de progressos: hoje, um terço da humanidade (2,4 bilhões) continua a viver sem acesso a uma água de qualidade nem a simples vasos sanitários e a cada dia, 25.000 pessoas morrem em função disso, sobretudo crianças.
Diante deste panorama, a 7ª Meta de Desenvolvimento para o Milênio, adotada em 2002 na reunião de cúpula de Johannesburgo, que, entre outras coisas, estipula a redução pela metade, até 2015 e em relação a 1990, do número de humanos sem acesso à água potável, é praticamente impossível de ser atingida. Seria necessário que, a cada ano até o final do prazo estabelecido, mais 100 milhões de pessoas tivessem água em condições de consumo, ou 274.000 por dia.
Para que a água seja igualmente distribuída pelo planeta, e para que uma água de qualidade seja acessível a todos, é preciso pagar o preço.
"Globalmente, ela é abundante em lugares onde não há ninguém", afirma Pierre Chevallier, especialista em Recursos de água do Instituto (francês) de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD): a região amazônica do Peru ou do Equador, pouco povoada, é rica em fontes de água, enquanto que toda a costa do Pacífico, pulmão econômico que abriga grandes cidades está seca, até o Chile.
"A situação vai piorar com o aquecimento global, que acelerará os fenômenos de evaporação e do derretimento das geleiras e reduzirá ainda mais a quantidade de água disponível", explica Chevallier. "Com a pressão demográfica: não apenas a população mundial aumenta, mas também as exigências desta população com a melhoria de suas condições de vida nas grandes países emergentes".
Hoje a água reservada ao uso doméstico - consumo humano e à higiene dos lares - serve apenas para 10% do consumo planetário (contra 20% para a indústria, principalmente para a produção de energia e 70 % para a agricultura em média). Mas consideráveis disparidades são registradas em regiões como a Ásia, onde a agricultura pode absorver mais de 85% das reservas.
"O consumo de água varia sobretudo de acordo com critérios econômicos e culturais e países que produzem pouco como os do Golfo podem estar também entre os grandes consumidores", ressalta o pesquisador.
Em média, um cidadão norte-americano consome 500 litros de água/dia e um europeu 200 a 300 litros, quando um africano da região saariana dispõe de 10 a 20 litros de água/dia para uso doméstico. E estes desequilíbrios, quantitativos e qualitativos, vão se exacerbar.
Alguns hábitos alimentares, adotados devido a melhoria da qualidade de vida, envolvem particularmente altos índices de consumo: 15.500 litros de água são necessários para produzir um quilo de carne de boi industrializado, lembra a Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com o Programa da ONU para Meio Ambiente (PNUE), com uma população de 1,5 a 1,8 bilhão até 2050, a Índia terá necessidade 30% de água a mais do que dispõe hoje, enquanto que sua agricultura, sobretudo a rizicultura, já absorve cerca de 90% dos recursos disponíveis.
"O problema é que estocar ou transportar a água necessita de investimentos colossais", ressalta Pierre Chevallier. "Isso não é tecnicamente impossível, mas os países que têm mais necessidade geralmente não possuem os meios".
Fonte: Terra notícias
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Lembrando...
ONU adverte sobre possível escassez de água na América Latina
01.02.2008 - O secretário-executivo da Convenção da ONU sobre a Mudança Climática, Yvo de Boer, advertiu hoje que 100 milhões de pessoas poderiam enfrentar uma "séria escassez" de água potável na América Latina e no Caribe nos próximos anos.
O analista explicou que o aquecimento do planeta aumentará o risco de inundações e secas, além de fazer com que os furacões na região sejam "mais ferozes" no futuro.
Durante o 16º Fórum de ministros do Meio Ambiente da América Latina e o Caribe, que acontece na República Dominicana, De Boer disse que a mudança climática causará "danos" à indústria pesqueira da região e alertou que as medidas necessárias para evitar isso devem ser tomadas imediatamente.
"Os furacões serão mais ferozes, causando mortes, provocando danos na infra-estrutura, cultivos e na pecuária da região, e se acrescenta a isso uma mudança na queda de chuvas e um alto risco de inundações e secas", considerou.
De Boer sugeriu que os países da região adotem ações em conjunto para aumentar o nível de vida de seus moradores e assumam como um "desafio" à mudança climática que pode impulsionar o desenvolvimento econômico.
"A mudança climática pode ocasionar sérios danos às economias, às sociedades e aos ecossistemas de todo o mundo", expressou.
Para De Boer, a estratégia contra a mudança climática deve ser acompanhada de uma mudança "radical" no comportamento econômico mundial, dirigido a "acelerar" os objetivos de desenvolvimento.
Fonte: Terra notícias