02.11.2008 - Como toda idéia, Satã tem uma gênese. Mas para que nela a luz se faça o esforço não deixa de ser o de mover montanhas. O americano Henry Ansgar Kelly se atribuiu a tarefa desse lusco-fusco: alvorada nas trevas, genealogia da escuridão, Satã: uma biografia (Trad: Renato Rezende. Globo. 385 páginas. R$ 40) é um texto revelador. A leitura é de livro de teologia: minuciosamente, o autor, professor emérito de literatura inglesa e especialista em pensamento medieval que já cometeu algumas obras sobre seu personagem central atual (a mais famosa delas The devil, demonology and witchcraft: the development of christian beliefs in evil spirits), é um leitor atento, que percorre versículo a versículo livros e livros da Bíblia e de outras escrituras, entre sagradas, analíticas e apócrifas. Este não é, entretanto, um trabalho de história da mentalidade contemporânea típico. Nem é feito como texto de fácil digestão nem tem um método de análise muito simples. Não, este trabalho é para quem o levar bem a sério. Com o demônio não se brinca.
Com nenhum de seus nomes, aliás. A primeira parte da aventura teórica empreendida por Kelly é contra a confusão entre Satã e a lenda de um anjo caído, Lúcifer. Ou dos nomes “diabo” – vindo do grego por meio da tradução do hebraico conhecida como a “septuaginta” – ou “demônio”. É preciso zelar pela imagem de Satanás.
Porque, afinal de contas, ele nunca foi apresentado nas Escrituras como um ser misto de bode e dragão, com chifres e calda. Nunca foi vermelho nem exalou enxofre – embora, sim, o inferno surja com esse mineral em abundância – e nunca teve tridente. A idéia de uma visualidade demoníaca é oriunda dos primeiros anos da Igreja e surge da incorporação de várias tradições. E de uma operação que o catolicismo conhece bem: o demônio tem feições porque imagens pagãs (dona delas) foram “demonizadas”.
Em Kelly, Satã é antes de tudo buscado como um personagem múltiplo, que aparece nas penas de vários narradores com diferentes funções dramáticas. A primeira delas como adjetivo. O termo deveria vir com artigo definido antes: “um satã”, ao pé da letra, é “um oponente”. Assim, pode ser um anjo enviado por Deus (como o que se digladia com Abraão), um ente permitido por Deus (como o que tortura Jó), ou mesmo um ser dotado de papel (de promotor) nos julgamentos celestes, mas dificilmente, até o Novo Testamento, surgirá como “o Satã”, substantivo próprio, o nome de um personagem. O importante é que, sinteticamente, ele assume o papel de “testador e acusador de toda a humanidade”.
Desculpa esfarrapada
O ponto de partida de Henry Ansgar Kelly é a afirmação de que há uma primeira confusão na leitura da Bíblia, a de que Satã e a serpente, aquela que tenta Adão e Eva, provocando a saída do homem do Paraíso, são a mesma pessoa. Depois, no capítulo 8, o mais interessante do livro, ele retomará a discussão. E mostrará que foi Justino, o Mártir, arguto pensador eclesiástico, o primeiro a fazer a associação entre os dois personagens, mas sem explicá-la, operando a criação de um termo hifenizado Satã-Serpente (Serpente-oponente? Kelly não discute). De todo modo, “o mais sutil [na Bible de Jérusalem, atual edição oficial, oriunda diretamente do aramaico para o francês, o termo utilizado é 'rusé', astucioso] dos animais que Javé-Eloim criou” (Gn 3,1), o réptil que faz com que os primeiros seres humanos provem do fruto proibido, surge dessa conexão interligado à função por excelência de Satanás: justamente a de tentador.
O pesquisador começa então uma verdadeira peregrinação por doutores da Igreja em busca de debates para a motivação para esse lugar do Diabo. Da serpente tentadora ao anticristo que se oporá a Jesus e à história da salvação, essa criatura terá inveja dos homens pela criação “à imagem e semelhança de Deus”, terá raiva dos homens por suas realizações ou será algo bem parecido com um psicopata, com motivações interiores não muito bem explicadas (tudo teologicamente).
Kelly atua sobretudo como analista literário. O que ele faz não é uma operação de fé, mas de unificação. Satã é um Hamlet de centenas de Shakespeares, um Mephisto de milhares de Goethes, uma criatura de sem-números de criadores – e não de inspiração divina (necessariamente). Se ele assume inúmeras formas em diferentes narrativas, é preciso – esse parece ser o parti pris do livro – encontrar uma lógica coincidente, algo que faça dele mais coerente, mais lógico.
E justamente por isso Satã: uma biografia se torna um livro tão precioso. Não se trata de encontrar qual a linha mestra que une vários vampiros a partir de uma leitura de Drácula e outros textos subseqüentes a ele. Trata-se, mais que isso, de ver, em diferentes tradições culturais e religiosas, a forma como cada uma delas articula a vilania, uma vilania máxima, a maior delas. Daí se torna fácil pensar que a antiga máxima faz sentido: se alguém vê o demônio, é motivo de felicidade. Se ele existe, é porque Deus existe também. Satã surge de todas essas operações literárias como um elemento subjacente da ação divina. Não é a “pedra tão pesada que nem Ele próprio possa carregar”, tendo-a criado, sendo tão poderoso que a pode criar. Satã não é oponente para Deus. Em vez disso, é antagonista do drama humano. Se a tradição grega cria uma divindade, ou seja, uma positividade, antagonista do homem por sua também humanidade – os deuses do Olimpo são vaidosos, soberbos, invejosos e maquiavélicos – a tradição judaico-cristã prefere fazer isso com uma negatividade.
Nesse sentido, Satã: uma biografia (que mereceria, talvez, o subtítulo de Uma bibliografia) é também uma compilação de uma certa filosofia sobre o homem no que tem de mais humano, sua fraqueza. Trata-se, talvez, da discussão mais antiga entre aquelas que tentam explicar porque agimos como agimos: motivação racional interna versus motivação determinante externa. Pois no momento em que é admoestado por Javé por ter desobedecido sua ordem, a de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, no momento em que comete o pecado original, Adão, dá, digamos, a desculpa esfarrapada original: “Foi a mulher que Vós colocastes diante de mim quem me disse para eu comer e eu comi” (Gn 3, 12). E, imediatamente depois, quando Ele vai ter com Eva, ela: “Foi a serpente que me tentou e eu comi” (Gn 3, 14). O autor não chega a esta minúcia de afirmação lógica, mas a insinua em vários momentos: Satã surge como o elemento externo que determina ações dos homens “dotados de livre arbítrio”. Arbítrio que opera – vemos no Gênesis – mesmo antes de ser concedido: se adquirem de Deus tal faculdade é porque já a haviam utilizado antes a revelia; quando decidem comer da árvore, eles adquirem o poder de decidir. Responsabilidade deles? Não toda, Satã tem sua parcela de culpa. E, eles, de desculpa.
Fonte: JB Online
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Lembrando...
O Papa João Paulo II denuncia as maldades de Satanás no mundo
28.04.2004 - O Papa João Paulo II denunciou esta quarta-feira as maldades de Satanás no mundo atual, sem se referir a nenhuma situação concreta, durante a audiência-geral semanal no Vaticano.
"No mundo, há um mal agressivo, que Satanás guia e inspira", assegurou o Papa ante cerca de 15.000 peregrinos de todo o mundo que assistiam à audiência.
O Papa, após citar um salmo da Bíblia, pediu aos fiéis que tenham confiança quando "se vivem dias tenebrosos e estamos assaltados pelo mal".
Ao término da audiência, o ex-juiz italiano da equipe anticorrupção Antonio Di Pietro, atual presidente do partido "Itália dos valores", lhe entregou um prêmio pela paz.
Fonte: AFP (UOL Noticias)
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Lembrando...
Vaticano incentiva formar padres contra satanismo
11.10.2005 - O Vaticano decidiu incentivar a formação de padres contra a expansão do satanismo no mundo e realiza na quinta-feira um novo seminário universitário para conter os cultos dedicados ao demônio.
Os cursos de "exorcismo e oração da libertação" são ministrados na Universidade Pontifícia Regina Apostolorum dirigida pelos Legionários de Cristo, uma ordem religiosa conservadora. O Vaticano está preocupado com o crescimento das práticas satanistas entre os jovens. Na Itália, seus adeptos divulgam idéias na internet em mais de 500 comunidades virtuais, informou uma pesquisa realizada no início de outubro pela escola de jornalismo da Universidade de Palermo.
A maioria destas comunidades - 57% - está localizada ao norte, 25% no centro, 18 % no sul, e a Sicília é a cidade onde tais práticas estão mais presentes, ressalta este estudo. Os adeptos que aderem às seitas através da internet são muito jovens: 21% têm entre 15 e 17 anos, 9%, entre 11 e 14 anos e 3%, entre 6 e 10 anos, destaca esta pesquisa.
Três jovens membros de um grupo de rock heavy metal "As Bestas de Satã" foram condenados no início do ano a pesadas penas de prisão por assassinatos em rituais cometidos em 1998. Eles estavam na faixa dos vinte anos de idade no momento dos fatos. Os exorcistas ainda são considerados padres à parte, conseqüência da Santa Inquisição, uma das páginas mais negras da Igreja. Muitos dos clérigos na Itália se recusam a falar sobre exorcismo, "considerado uma superstição e fonte de problemas", afirmou um dos participantes do primeiro seminário organizado de 17 de fevereiro a 14 de abril.
Seu número é estimado em 400 na Itália e todas as dioceses não possuem um exorcista oficial. O papa Bento XVI decidiu se valer de sua posição. Ele os encorajou em seu "importante ministério a serviço da Igreja" em uma mensagem lançada no congresso nacional dos padres exorcistas, organizado no dia 14 de setembro em Roma.
Reservados aos padres e seminaristas estudantes de teologia, os primeiros cursos da Universidade Pontifícia Regina Apostolorum atraíram mais de uma centena de estudantes de todas as idades vindos do mundo inteiro. A universidade anunciou a participação de um representante do Papa, monsenhor Angelo Comastri, vigário geral para o Estado do Vaticano e de um exorcista, monsenhor Andrea Gemma, bispo de Isernia-Venafro, no seminário reservado à demonologia, ao ocultismo e à figura do diabo nas culturas antigas e modernas, incluindo o cinema, a música e a internet.
Fonte: Terra Notícias