08.09.2008 - Projeto de pesquisa básica europeu custou mais de 3 bilhões de euros.
Experimentos têm potencial para revolucionar as atuais teorias físicas.
Nesta quarta-feira (10), o maior acelerador de partículas do mundo entrará em operação. A um custo estimado em mais de 3 bilhões de euros, o LHC sondará as entranhas da matéria em busca das respostas que faltam para compreender vários dos mistérios do universo. E a idéia é fazer isso sem destruir o mundo no processo, a despeito de rumores em contrário.
Grosso modo, o LHC é uma espécie de "rodoanel" para prótons, as partículas que caracterizam os elementos existentes no universo. Um túnel circular de 27 km, localizado sob a fronteira entre a Suíça e a França, ele usará poderosíssimos ímãs, construídos com tecnologia de supercondutores, para acelerar feixes de partículas até 99,99% da velocidade da luz. Produzindo um feixe de prótons em cada direção, a idéia é colidi-los quando estiverem em máxima velocidade. O impacto é capaz de simular condições próximas às que existiram logo após o Big Bang, gerando um sem-número de partículas elementares.
Uma forma simples de imaginá-lo é como uma imensa máquina de esmigalhar prótons, colidindo-os uns com os outros. Os caquinhos que emergirem das colisões são as partículas que os cientistas pretendem estudar. E uma, em especial, está na cartinha que todos os físicos do laboratório enviaram a Papai Noel neste ano: o bóson de Higgs.
O nome assusta, e o apelido mais ainda -- ele é chamado popularmente como "a partícula de Deus". Mas, por que, afinal, o bóson de Higgs é tão especial?
Existe uma teoria muito querida pelos físicos de partículas, chamada de modelo padrão. Ela é basicamente uma lista de todas as peças -- ou seja, todas as partículas -- usadas na confecção de um universo como o nosso. Ela explica como os prótons e os nêutrons são feitos de quarks, e como os elétrons fazem parte de um grupo de partículas chamado de léptons, em que também se incluem os neutrinos, partículas minúsculas de carga neutra. O modelo padrão também explica como funcionam as partículas portadoras de força (como o glúon, responsável por manter estáveis os núcleos atômicos, ou o fóton, que compõe a radiação eletromagnética, popularmente conhecida como luz).
Mas para todo esse imenso "lego" científico funcionar corretamente, os físicos prevêem a existência de uma partícula que explicaria como todas as outras adquirem sua massa. É onde entra o bóson de Higgs. Infelizmente, até agora os cientistas não encontraram nenhum sinal concreto de sua existência. Por maior que fossem os aceleradores de partículas, o Higgs continuava ocultando sua existência. Agora, com a nova jóia da ciência européia, ele não terá mais onde se esconder.
Com uma potência nunca antes vista num acelerador, o LHC quase com certeza encontrará o bóson de Higgs. Ou coisa que o valha.
"Ninguém duvida que a idéia que está por trás do bóson de Higgs esteja correta", afirma Adriano Natale, físico da Unesp (Universidade Estadual Paulista). "Se o bóson de Higgs, exatamente como foi proposto, não for encontrado, aparecerão outros sinais -- partículas -- que indicarão o novo caminho a ser seguido. Podemos não achar o bóson de Higgs, mas, seja qual for a física que está por trás, algo vai aparecer, e este algo pode até levar a uma nova revolução na física."
Aliás, a física bem que anda precisando de uma "nova revolução".
Hoje, o entendimento do mundo físico se assenta sobre dois pilares. De um lado, há a física quântica, base para todo o modelo padrão da física de partículas. De outro lado, há a teoria da relatividade geral, que explica como funciona a gravidade.
Até aí, tudo certo. Temos duas teorias, cada uma regendo seu próprio domínio de ação, e ambas funcionam muito bem, obrigado, na hora de prever os fenômenos. Qual é o problema? O dilema surge porque há circunstâncias muito especiais no universo que exigem o uso das duas teorias ao mesmo tempo. Aliás, o próprio nascimento do cosmo só pode ser explicado juntando as duas teorias. E aí é que a porca torce o rabo: as equações da relatividade e da física quântica não fazem sentidos, quando usadas juntas para resolver um problema. Começam a aparecer cálculos insolúveis e resultados infinitos -- sintomas de que há algo muito errado em uma das duas teorias, ou até em ambas.
Por isso, os cientistas têm uma esperança muito grande de que exista uma teoria maior, mais poderosa, que incluísse tanto o modelo padrão como a relatividade num único conjunto coeso de equações. Só essa nova teoria "de tudo" poderia realmente acabar com os mistérios remanescentes no universo.
A badalada hipótese das supercordas -- que prevê que as partículas elementares na verdade seriam cordas estupidamente minúsculas vibrando num espaço com dez dimensões -- é hoje a principal candidata a assumir essa função de teoria de tudo.
Só que, até o momento, seus defensores não conseguiram apresentar nenhuma evidência real de que essa maluquice de supercordas e dimensões extra realmente exista. Suas esperanças estarão agora depositadas no LHC. É possível -- mas não muito provável -- que ele atinja um nível de energia suficiente para revelar a existência de novas dimensões, além das três que costumamos vivenciar no cotidiano.
E, ainda que não chegue lá, o LHC tem boas chances de produzir objetos que emergem diretamente da interação entre a gravidade e o mundo quântico, como miniburacos negros. "Esses possíveis objetos transcendem a relatividade real. Suas propriedades podem dar informações seobre regimes em que a relatividade geral não é mais válida, como, por exemplo, o regime da gravitação quântica", diz Alberto Saa, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Ei, mas peraí. Miniburacos negros? Mas os buracos negros não são aqueles objetos terríveis que existem nas profundezas do espaço, engolindo tudo que está ao seu redor, até mesmo a luz? Será que é uma boa idéia criar um miniburaco negro no subsolo terrestre?
A imensa maioria dos físicos diz que não haverá perigo algum. "Esses possíveis buracos negros são microscópicos", diz Saa. "Uma vez criados, seriam quase imediatamente destruídos, espalhando diversas partículas com padrões muito peculiares. A imagem do buraco negro faminto, devorando impiedosamente tudo ao seu redor, se aplica apenas aos buracos negros astrofísicos, nunca a buracos negros microscópicos."
Embora os miniburacos negros pareçam ser inofensivos, há uma outra hipótese um pouco mais ameaçadora.
Os vilões dessa vez são chamados de "strangelets". Seriam partículas de um tipo exótico de matéria que não existe normalmente. O problema é que a teoria diz que, se um strangelet conseguisse tocar o núcleo de um átomo convencional, o átomo seria convertido em strangelet. Ou seja, se o LHC produzir strangelets, alguns físicos dizem que eles poderiam interagir com a matéria normal da Terra e iniciar uma reação em cadeia que consumiria o planeta inteiro.
Muitos e muitos estudos dizem que isso não vai acontecer. Mas como decidir o que fazer, se o risco, embora baixíssimo, envolve a destruição da Terra? Sir Martin Rees, o astrônomo real britânico, escreveu um livro inteiro ("Hora Final", ou "Our Final Hour", no original) para alertar sobre experimentos como esse, que, embora com uma probabilidade muito baixa, têm chance de causar resultados catastróficos.
Por isso, há quem esteja muito preocupado. Mas a verdade é que o universo produz eventos muito mais agressivos que o LHC, com supernovas, buracos negros e tudo mais, e ainda estamos aqui para estudá-los e compreendê-los.
A dúvida sobre os perigos do LHC não durará muito. Nesta quarta, ele receberá seu primeiro feixe de prótons. Em breve, serão iniciadas as primeiras colisões com objetivos científicos. E aí, ou os rumores sobre a destruição do mundo se mostrarão completamente infundados, ou ninguém estará aqui para dizer que tinha razão.
Descartando quaisquer riscos, os cientistas envolvidos com o LHC estão empolgadíssimos. Não é todo dia que se consegue convencer o mundo a investir mais de 3 bilhões de euros em pesquisa básica.
"Esta é uma colaboração internacional a um nível que não temos nas demais atividades humanas", diz Adriano Natale. "Uma congregação de países e pessoas para a qual é muito difícil atribuir um valor, mas se formos totalmente calculistas, nós temos de contabilizar todo o desenvolvimento tecnológico realizado no Cern, o laboratório que gere o LHC. Temos grandes supercondutores, temos computação sendo desenvolvida para a análise dos resultados etc. O desenvolvimento em computação que o LHC vai gerar certamente irá impactar no desenvolvimento mundial no futuro próximo. E o valor é pequeno, se consideramos o que está sendo gasto em armamentos e em guerras."
Fonte: G1
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Lembrando...
Cientistas querem salvar a Terra de buraco negro criado em laboratório
01.04.2008 - Mais combates no Iraque. Somália no caos. As pessoas neste país não conseguem pagar suas hipotecas e em alguns lugares agora as pessoas não conseguem nem mesmo comprar arroz.
Mas nada disso e nem o restante das notícias preocupantes das atuais primeiras páginas importará caso dois homens, que estão impetrando um processo em um tribunal federal no Havaí, estiverem certos. Eles acham que um acelerador gigante de partículas, que começará a fragmentar prótons nos arredores de Genebra neste ano, poderá produzir um buraco negro que significará o fim da Terra -e talvez do universo.
Os cientistas dizem que é muito improvável -apesar de terem feito alguma checagem para se certificarem.
Os físicos do mundo gastaram 14 anos e US$ 8 bilhões construindo o Grande Colisor de Hádrons, no qual a colisão de prótons recriará energias e condições vistas pela última vez a um trilionésimo de segundo após o Big Bang. Os pesquisadores analisarão os destroços destas recriações primordiais em busca de pistas sobre a natureza da massa e de novas forças e simetrias na natureza.
Mas Walter L. Wagner e Luis Sancho argumentam que os cientistas no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês), subestimaram as chances de que o colisor possa produzir, entre outros horrores, um minúsculo buraco negro, que, segundo eles, devoraria a Terra. Ou que possa cuspir um "strangelet", que converteria nosso planeta a uma massa densa morta e encolhida de algo chamado "matéria estranha". O processo deles também diz que o Cern não forneceu uma declaração de impacto ambiental de acordo com o exigido pela Lei Nacional de Política Ambiental.
Apesar de soar bizarro, o caso toca em uma questão séria que tem incomodado acadêmicos e cientistas nos últimos anos -como estimar o risco de novas experiências inovadoras e a quem cabe a decisão de prosseguir ou não.
O processo, impetrado em 21 de março no Tribunal Distrital Federal em Honolulu, busca uma injunção temporária proibindo o Cern de prosseguir com o acelerador até que produza um relatório de segurança e uma avaliação de impacto ambiental. Ele cita o Departamento de Energia dos Estados Unidos, o Laboratório Nacional do Acelerador Fermi, a Fundação Nacional de Ciência e o Cern como réus.
Segundo um porta-voz do Departamento de Justiça, que está representando o Departamento de Energia, uma reunião foi marcada para 16 de junho.
Por que o Cern, uma organização de países europeus com sede na Suíça, deveria comparecer a um tribunal no Havaí?
Em uma entrevista, Wagner disse: "Eu não sei se vão aparecer". O Cern teria que se submeter voluntariamente à jurisdição do tribunal, ele disse, acrescentando que ele e Sancho poderiam ter processado na França ou na Suíça, mas para economizar as despesas eles acrescentaram o Cern ao processo aqui. Ele alegou que a injunção ao Farmilab e ao Departamento de Energia, que ajudam a fornecer e manter os imensos ímãs supercondutores do acelerador, desativaria o projeto de qualquer forma.
James Gillies, chefe de comunicações do Cern, disse que o laboratório ainda não tem nenhum comentário sobre o processo. "É difícil entender como um tribunal distrital no Havaí teria jurisdição sobre uma organização intergovernamental na Europa", disse Gillies.
"Não há nada novo sugerindo que o colisor é inseguro", ele disse, acrescentando que sua segurança foi confirmada por dois relatórios, que um terceiro está a caminho e estará sujeito a uma discussão aberta no laboratório em 6 de abril.
"Cientificamente, não estamos escondendo nada", ele disse.
Mas Wagner não está tranqüilizado. "Eles fazem muita propaganda dizendo que é seguro", ele disse em uma entrevista, "mas basicamente é propaganda".
Em uma mensagem por e-mail, Wagner chamou o relatório de segurança do Cern de "fundamentalmente falho" e disse que foi iniciado tarde demais. O processo de revisão viola os padrões da Comissão Européia de adesão ao "Princípio Precautório", ele escreveu, "e foi feito por cientistas que são 'parte interessada'".
Físicos de dentro e fora do Cern disseram que vários estudos, incluindo um relatório oficial do Cern em 2003, concluíram que não há problema. Mas para ter certeza, no ano passado o anônimo Grupo de Avaliação de Segurança realizaria uma nova revisão.
"A possibilidade de um buraco negro devorar a Terra é uma ameaça tão séria que a deixamos como tema de discussão para malucos", disse Michelangelo Mangano, um teórico do Cern que disse fazer parte do grupo. Os outros preferem permanecer anônimos, disse Mangano, por vários motivos. O relatório deles foi entregue em janeiro.
Este não é o primeiro processo de Wagner. Ele impetrou ações semelhantes em 1999 e 2000, para impedir o Laboratório Nacional de Brookhavem de operar o Colisor Relativístico de Íons Pesados. O processo foi indeferido em 2001. O colisor, que colide íons de ouro na esperança de criar o que é chamado de "plasma quark-glúon", opera sem incidentes desde 2000.
Wagner, que vive na Grande Ilha do Havaí, estudou física e realizou pesquisa de raios cósmicos na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e recebeu doutorado em Direito por aquela que é atualmente conhecida como Universidade do Norte da Califórnia, em Sacramento. Ele posteriormente trabalhou como diretor de segurança de radiação para a Administração de Veteranos.
Sancho, que descreve a si mesmo como um autor e pesquisador de teoria do tempo, vive na Espanha, provavelmente em Barcelona, disse Wagner.
Os temores apocalípticos têm um longo histórico, mesmo que não ilustre, na física. Em Los Alamos antes do teste da primeira bomba nuclear, Emil Konopinski foi encarregado da tarefa de calcular se a explosão incendiaria ou não a atmosfera.
O Grande Colisor de Hádrons é projetado para disparar prótons em energias de 7 trilhões de elétrons-volt antes de colidirem um contra o outro. Na verdade, nada acontecerá no colisor do Cern que não aconteça 100 mil vezes por dia pelos raios cósmicos na atmosfera, disse Nima Arkani-Hamed, um teórico de partículas do Instituto para Estudos Avançados em Princeton.
O que é diferente, reconhecem os físicos, é que os fragmentos dos raios cósmicos passam inofensivamente pela Terra quase à velocidade da luz, mas o que quer que seja criado quando os raios baterem de frente no colisor nascerá em relativo repouso para o laboratório, de forma que permanecerá ali e portanto poderia causar caos.
As novas preocupações são a respeito dos buracos negros que, segundo algumas variações da teoria das cordas, poderiam surgir no colisor. Esta possibilidade foi muito alardeada em muitos estudos e artigos populares nos últimos anos, mas seriam perigosos?
Segundo um estudo do cosmólogo Stephen Hawking em 1974, eles evaporariam rapidamente em um vestígio de radiação e partículas elementares, portanto sem representar ameaça. Mas ninguém já viu um buraco negro evaporar.
Conseqüentemente, Wagner e Sancho argumentam em sua queixa, os buracos negros poderiam realmente ser estáveis, e um micro buraco negro criado pelo colisor poderia crescer, no final engolindo a Terra.
Mas William Unruh, da Universidade da Colúmbia Britânica, cujo trabalho explorando os limites do processo de radiação de Hawking é citado no site de Wagner, disse que ele não entendeu seu argumento. "Talvez a física realmente seja tão estranha a ponto de buracos negros não evaporarem", ele disse. "Mas realmente teria que ser muito, muito estranha."
Lisa Randall, uma física de Harvard cujo trabalho ajudou a alimentar a especulação sobre buracos negros no colisor, apontou em um trabalho no ano passado que buracos negros não seriam produzidos no colisor, apesar de que outros efeitos da chamada gravidade quântica poderão aparecer.
Como parte do relatório de avaliação de segurança, Mangano e Steve Giddings, da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, trabalharam intensamente nos últimos meses em um estudo que explora todas as possibilidades destes temidos buracos negros. Eles acham que não há problemas, mas relutam em conversar sobre suas conclusões até passarem pela revisão de seus pares, disse Mangano.
Arkani-Hamed disse, em relação às preocupações com a morte da Terra ou do universo, que "nenhuma tem qualquer mérito".
Ele apontou que devido à natureza aleatória da física quântica, há alguma probabilidade de quase qualquer coisa acontecer. Há uma probabilidade minúscula, ele disse, do "Grande Colisor de Hádrons criar dragões que possam nos devorar".
Fonte: Terra