Os ecoterroristas já começam a preocupar a Europa


26.07.2008 - O incêndio ocorreu durante a madrugada, entre 1h e 3h, no sábado, 28 de junho. No laboratório Charles River, uma empresa de 325 assalariados sediada em Saint-Germain-sur-L'Arbresle (departamento do Rhône, na região de Lyon), foram transformados em fumaça três veículos utilitários e uma parte da estrutura do edifício. No solo, uma sigla havia sido redigida, valendo como uma assinatura: ALF, Animal Liberation Front (Frente de Liberação dos Animais).

O Charles River, que é uma filial francesa de um grupo americano, é um dos mais importantes criadores de animais em laboratório. Em razão de o incêndio ter sido provocado por explosivos - um botijão de gás acionado por um dispositivo "original" de detonação -, o inquérito foi transmitido para a seção antiterrorista do ministério público de Paris. Uma célula de dez policiais militares está encarregada das investigações no quadro da divisão de luta antiterrorista da polícia militar.

Esta célula já estava trabalhando no inquérito sobre o atentado que havia alvejado no ano passado, em abril de 2007, uma empresa especializada na fabricação de gaiolas para bichos, a Tecniplast, em Limonest, também no departamento do Rhône. Neste caso também, a sigla ALF havia sido pichada. "Desta vez, o alvo foi o Charles River. Portanto, não se trata mais de uma firma terceirizada, mas sim de uma das principais companhias que lidam com pesquisas com animais; ou seja, estamos diante de uma escalada", comenta um perito, preocupado.

As ações da Frente de Liberação dos Animais (ALF em inglês) vêm sendo reivindicadas no Bite Back ("Mordida em retaliação"), um site na Internet com forte conteúdo engajado que recenseia, de um país para outro, todas as manifestações ecologistas radicais. No caso do atentado contra o Charles River, uma das fotos que foram publicadas mostra o incêndio durante a noite. Ela é ilustrada, como sempre, por um comentário agressivo, em inglês e em francês, e por uma ameaça: "Nós ainda não terminamos [o trabalho] com vocês. . ."

Fechaduras enviscadas com cola
Diante desses ataques, os industriais estão preocupados. Atendendo a um pedido dos seus membros, - cerca de quarenta empresas e 32 associações que representam os laboratórios -, a Federação Européia dos Industriais e das Associações Farmacêuticas (Efpia) realizará, na segunda-feira (28) em Bruxelas, uma reunião a respeito do "ecoterrorismo" da qual participarão representantes da Europol, a rede européia de polícia. Esta reunião, que será a primeira do gênero, foi motivada por uma série de incidentes recentes ocorridos em toda a Europa, atribuídos a ativistas de defesa dos animais, e assimilados a atentados terroristas.

"Nós estamos constatando que essas ações vêm se tornando cada vez mais uma atividade internacional, que se exporta e se estende à Europa continental, como se fosse uma verdadeira franquia", comenta com reticências um representante da Efpia, a qual teria preferido que o caráter confidencial da sua reunião fosse preservado.

Um ativismo com sistema de franquia? Por trás da sigla da ALF, um grande número de ações de sabotagem vem sendo conduzido contra laboratórios que praticam experimentos com animais, ou contra os seus terceirizados, mas também contra fabricantes de vestuário com peles, além de comerciantes, e até mesmo empresas de restaurantes.

O fenômeno, que apareceu na Grã-Bretanha durante os anos 1970, disseminou-se nos Estados Unidos, e depois pela Europa, e hoje atinge cada vez mais a Rússia. Esta "ameaça em plena expansão" mobilizou os serviços de polícia de numerosos países ao longo dos últimos dez anos. Em 1999, um jornalista havia sido brevemente seqüestrado e fora marcado com ferro incandescente, com as letras ALF, nas costas. O romancista Tom Clancy, um especialista nas atividades de inteligência americanas e na CIA, dedicou a este caso, logo em 1998, um dos seus livros, "Rainbow Six" (que engendrou também um famoso videogame).

Mais recentemente, o acadêmico Jean-Christophe Rufin, embaixador da França no Senegal, aprofundou-se nesta questão, descrevendo num thriller muito documentado, "Le Parfum d'Adam" (O Perfume de Adão, editora Flammarion, 2007), o ativismo de militantes ecologistas fanáticos que se transforma em complô. "O FBI considera a ecologia radical como a segunda ameaça terrorista mais importante depois daquela do fundamentalismo islâmico", explicou então o escritor.

Até então, a França, acostumada com as campanhas em defesa dos animais promovidas por Brigitte Bardot, se considerava relativamente poupada do problema. Mas, daqui para frente, segundo um investigador, ela passa a integrar "o pelotão de frente" dos países envolvidos. "O movimento está ganhando força", admite Christian Dupouy, o chefe da Divisão de Luta Antiterrorismo na Diretoria Geral da Polícia Militar Nacional.

O pico foi atingido em 2007, com 53 ações reivindicadas, das quais 25 "périplos" (ações mais ou menos coordenadas entre elas, porém sempre simultâneas). Em 2008, um primeiro balanço que foi elaborado em 31 de março permitiu acreditar numa ligeira calmaria: 13 ações contra 16 alvos (das quais oito casos de sabotagem pouco significativos) no decorrer dos três primeiros meses do ano, contra 18 em 2007 que visavam 45 alvos. Mas, com o caso do Charles River, o ministério do Interior se viu forçado a rever sua avaliação.

Por enquanto, de uma a duas ações vêm sendo repertoriadas mensalmente na França pelo site Bite Back. Algumas delas são folclóricas, como no caso da libertação de uma pega da sua gaiola na região de Midi-Pyrénées. Mas, há ocorrências mais preocupantes. Em janeiro, um artesão peleteiro de Bordeaux, Michel Grama, proprietário de duas lojas de vestuário de pele, foi vítima, além das pichações que se tornaram um ritual, de um incêndio, perto da porta do seu domicílio, que por pouco não teve conseqüências mais graves. O seu nome, seu endereço e seu número de telefone privado haviam sido divulgados para o grande público. . .

Outros comerciantes foram alvos de um verdadeiro assédio destinado a provocar o fechamento do seu negócio: pichações insultantes, fechaduras enviscadas com cola, vitrines quebradas, mensagens de intimidação. Entre outras, foram alvejadas as lojas de artigos de couro Cuir Center em Orgeval, além de um açougue em Carcassonne, e ainda um restaurante em Paris cujo proprietário era acusado de defender as "corridas" espanholas. Até mesmo o circo Pinder se tornou um alvo, em Montpellier, dos ativistas defensores dos animais.

Na maioria dos casos, todas essas operações permanecem quase sempre "na fronteira com o terrorismo", para retomar a expressão de um policial. Mas alguns militantes, que costumam ter uma preferência marcada pela clandestinidade e gostam de ser fotografados trajando um capuz preto, ultrapassaram os limites. "Os modos de agir são bastante comparáveis entre si. Eles incluem células informais, operações de comandos noturnas, uma grande paranóia e a vontade de impressionar a opinião pública por meio de ações de grande vulto", comenta um investigador.

Em agosto de 2007, a ARM, sigla em inglês de Milícia dos Direitos dos Animais, um outro pequeno grupo de militantes ecologistas radicais, também de origem britânica, havia divulgado a falsa notícia, em sua primeira operação deslanchada na França, de que ele havia misturado água oxigenada dentro das soluções para lentes de contato fabricadas pelo laboratório Novartis. O trote obrigou as autoridades francesas a pedirem o "recall" destes produtos. Os policiais da Subdireção Antiterrorista (SDAT) acabaram arquivando o inquérito, sem terem encontrado os autores da operação.

Outras dessas atividades apresentam características próximas do terrorismo "clássico", que incluem a mobilidade dos militantes e a utilização intensiva da Internet para difundir, mobilizar e recrutar. "A ALF não existe oficialmente; é uma sigla utilizada como senha de reconhecimento; qualquer ação pode ser reivindicada como sendo da ALF", avalia Bruno Verschuere, um representante da Gircor. Fundada em 1991, esta associação, que agrupa os laboratórios públicos e privados franceses com o objetivo de defender as pesquisas baseadas nos experimentos com animais, está preocupada com uma possível intensificação dos "comandos ecologistas".

No mesmo momento que os Estados Unidos, que adotaram em 2006 o Animal Enterprise Terrorism Act, a Grã-Bretanha se antecipou a esta tendência, acrescentando na lei de segurança interna que havia sido promulgada depois dos atentados de Londres de 2005 uma emenda destinada a proteger os pesquisadores das "ameaças", da calúnia e do "assédio" perpetrados pelos defensores dos animais.

Já, na França, nada diferencia os ecoterroristas dos criminosos comuns. Eles são processados em função das incriminações tradicionais de "ameaças com imposição de condições" ou de "formação de quadrilha visando à execução de uma empreitada terrorista".

Fonte: UOL notícias

 


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