Carta do Arcebispo Carlo Maria Viganò: Testemunhar a corrupção na hierarquia da Igreja católica foi para mim uma decisão dolorosa, Mas sou um ancião. Um ancião que sabe que logo terá que render contas ao Juiz das próprias ações e omissões


22.10.2018 -

Por Pedro Erik

Falei no post anterior que não tinha tempo de traduzir a carta do arcebispo Viganò ao cardeal Ouellet e consequentemente ao Papa Francisco e aí meu caro amigo tradutor Airton Vieira me enviou sua tradução, aqui vai então a tradução enviada pelo Airton.

É mais uma carta histórica do arcebispo Viganò.

Vejam abaixo em português, por Airton Vieira.

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Carta do Arcebispo Carlo Maria Viganò

n/d

Na memória dos Mártires da América do Norte

Testemunhar a corrupção na hierarquia da Igreja católica foi para mim uma decisão dolorosa, e segue sendo-o. Mas sou um ancião. Um ancião que sabe que logo terá que render contas ao Juiz das próprias ações e omissões, que teme Àquele que pode lançar seu corpo e sua alma no inferno. Juiz que, apesar de sua infinita misericórdia, “dará a cada um segundo seus méritos o prêmio ou a condenação eterna” (Ato de fé). Antecipando a terrível pergunta desse Juiz: “Como pudeste, tu que sabias a verdade, permanecer em silêncio em meio de tanta falsidade e depravação?”, que resposta poderia dar?

Me pronunciei com plena consciência de que meu testemunho causaria alarme e consternação em muitas pessoas eminentes: eclesiásticos, irmãos bispos, companheiros com os que trabalhei e rezei. Sabia que muitos se sentiriam feridos e traídos. Previ que alguns deles, ao seu tempo, me acusariam e questionariam minhas intenções. E, o mais doloroso de tudo, sabia que muitos fiéis inocentes se sentiriam confundidos e desconcertados pelo espetáculo de um bispo que acusa a seus irmãos e superiores de delitos, pecados sexuais e de negligência grave para com o que é seu dever. Estou convencido de que meu prolongado silêncio havia posto em perigo muitas almas, e certamente havia condenado a minha. Apesar de ter informado em diversas ocasiões meus superiores, incluso ao Papa, das ações aberrantes de McCarrick, pude denunciar antes publicamente a verdade da que eu estava ciente. Me arrependo de verdade se tenho alguma responsabilidade pelo atraso, que se deu devido à gravidade da decisão que tinha de tomar e o grande sofrimento de minha consciência.

Me acusam de haver criado, com meu testemunho, confusão e divisão na Igreja. Esta afirmação pode ser credível só para quem considerar que dita confusão e divisão eram irrelevantes antes de agosto de 2018. Não obstante, qualquer observador desapaixonado seguramente já se havia dado conta da prolongada e significativa presença de ambas, algo inevitável quando o sucessor de Pedro renunciar a exercer sua missão principal, que é a de confirmar a sus irmãos na fé e na sã doutrina moral. Quando, además, acentua a crise com mensagens contraditórios ou declarações ambíguas, a confusão se agrava.

Portanto, tenho falado. Porque é a conspiração do silêncio a que tem causado e segue causando enorme dano à Igreja, às almas inocentes, às jovens vocações sacerdotais, aos fiéis em geral. Em mérito a esta mina decisão, que tomei em consciência ante Deus, aceito com gosto qualquer correção fraterna, conselho, recomendação e convite que me faça para que progrida em minha vida de fé e de amor a Cristo, à Igreja e ao Papa.

Permiti-me que os lembre de novo os pontos principais de meu testemunho.

– Em novembro de 2000, o núncio nos Estados Unidos, o arcebispo Montalvo, informou a Santa Sé comportamento homossexual do cardeal McCarrick com seminaristas e sacerdotes.

– Em dezembro de 2006, o novo núncio, o arcebispo Pietro Sambi, informou à Santa Sé do comportamento homossexual do cardeal McCarrick com outro sacerdote.

– Em dezembro de 2006, eu escrevi uma Nota ao cardeal secretário de Estado Bertone, que entreguei pessoalmente ao substituto para Assuntos Gerais, o arcebispo Leonardo Sandri, na que pedia ao Papa que tomasse medidas disciplinares extraordinárias contra McCarrick para prevenir futuros delitos e escândalos. Esta Nota nunca teve resposta.

– Em abril de 2008, uma carta aberta ao Papa Bento por parte de Richard Sipe foi transmitida pelo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Levada, ao secretário de Estado, o cardeal Bertone, que continha mais acusações contra McCarrick por deitar-se com seminaristas e sacerdotes. Esta carta foi-me entregue um mês mais tarde e, em maio de 2008, eu pessoalmente apresentei uma segunda Nota ao então substituto para Assuntos Gerais, o arcebispo Fernando Filoni, informando das acusações contra McCarrick e pedindo sanções contra ele. Tampouco esta segunda Nota teve resposta.

– Em 2009 ou em 2010, o cardeal Re, Prefeito da Congregação para os Bispos, me informou que o Papa Bento havia ordenado McCarrick que cessasse seu ministério público e que começasse uma vida de oração e penitência. O núncio Sambi lhe comunicou as ordens do Papa,ey ao fazê-lo elevou tanto o tom de voz que foi ouvido nos corredores da nunciatura.

– Em novembro de 2011, o cardeal Ouellet, novo Prefeito da Congregação para os Bispos, me confirmou, como novo núncio nos Estados Unidos, as restrições impostas pelo Papa a McCarrick, e fui eu quem as comuniquei pessoalmente, cara a cara, a McCarrick.

– Em 21 de junho de 2013, quase ao final de um encontro oficial com os núncios no Vaticano, o Papa Francisco me dirigiu umas palavra de reprovação e de difícil interpretação sobre o episcopado americano.

– Em 23 de junho, o Papa Francisco me recebeu em uma audiência privada em seu apartamento para algumas aclarações, e me perguntou: “Como é o cardeal McCarrick?”, palavras que só posso interpretar como uma falsa curiosidade para descobrir se eu era aliado ou não de McCarrick. Lhe disse que McCarrick havia corrompido gerações de seminaristas e sacerdotes, e que o Papa Bento havia imposto que se retirasse a uma vida de oração e penitência.

– McCarrick, em troca, continuou desfrutando de uma especial consideração por parte do Papa Francisco, quem lhe confiou novas e importantes responsabilidades e missões.

– McCarrick formava parte de uma rede de bispos favoráveis à homossexualidade que, gozando do favor do Papa Francisco, impulsionaram nomeações episcopais para proteger-se da justiça e reforçar a homossexualidade na hierarquia e na Igreja em geral.

– O mesmo Papa Francisco parece, ou ser cúmplice com a difusão de dita corrupção ou, consciente do que faz, é gravemente responsável porque não se opõe a ela e não tenta erradica-la.

Tenho invocado a Deus como testemunha da verdade destas minhas afirmações, e nenhuma delas foi desmentida. O cardeal Ouellet escreveu reprovando minha temeridade por ter rompido o silêncio e haver lançado graves acusações contra meus irmãos e superiores, mas seu reproche, em realidade, me confirma em minha decisão e, ademais, confirma minhas afirmações, uma a uma e em conjunto.

O cardeal Ouellet admite que me falou da situação de McCarrick antes que eu viajasse a Washington para tomar posse de meu cargo como núncio.

O cardeal Ouellet admite que me comunicou por escrito as condições e restrições impostas a McCarrick pelo Papa Bento.

O cardeal Ouellet admite que ditas restrições proibiam McCarrick de viajar e aparecer em público.

O cardeal Ouellet admite que a Congregação para os Bispos ordenou McCarrick por escrito, primeiro por meio do núncio Sambi e, depois, através de mim, a levar uma vida de oração e penitência.

O que é que o cardeal Ouellet questiona?

O cardeal Ouellet questiona a possibilidade de que o Papa Francisco tenha podido lembrar-se de informações importantes sobre McCarrick em um dia em que havia recebido a dezenas de núncios, e no que havia dado a cada um deles só poucos instantes de conversação. Mas não é o que eu testemunhei. Eu testemunhei que em um segundo encontro, privado, informei ao Papa, respondendo a uma pergunta que ele me colocou sobre Theodore McCarrick, então cardeal arcebispo emérito de Washington, figura preeminente da Igreja dos Estados Unidos, de que o cardeal McCarrick havia corrompido sexualmente seus próprios seminaristas e sacerdotes. Nenhum Papa pode esquecer-se disto.

O cardeal Ouellet questiona a existência em seus arquivos de cartas assinadas por Bento XVI ou pelo Papa Francisco relacionadas com as sanções impostas a McCarrick. Mas não é o que eu testemunhei. Eu testemunhei que em seus arquivos havia documentos chave -independentemente de sua procedência-, que incriminam McCarrick e que têm relação com as medidas tomadas a respeito de sua pessoa, e outras provas do encobrimento de sua situação. E confirmo agora o que testemunhei naquele momento.

O cardeal Ouellet questiona a existência nos arquivos de seu predecessor, o cardeal Re, de “notas de audiências” que impunham a McCarrick as restrições citadas anteriormente. Mas não é o que eu testemunhei. Eu testemunhei que há outros documentos: por exemplo, uma nota do cardeal non ex-Audientia SS.mi, ou também assinada pelo secretário de Estado ou o substituto.

O cardeal Ouellet questiona que é falso apresentar as medidas tomadas contra McCarrick como “sanções” decretadas pelo Papa Bento e anuladas pelo Papa Francisco. Certo. Tecnicamente não eram “sanções”, mas medidas, “condições e restrições”. Mas discutir se eram sanções ou medidas ou qualquer outra coisa não é mais que puro legalismo. Sob o perfil pastoral, são a mesma coisa.

Em resumo, o cardeal Ouellet admite as afirmações importantes que fiz e faço, e questiona as afirmações que não faço e nunca fiz.

Há um ponto em que devo desmentir totalmente o que escreve o cardeal Ouellet. O cardeal afirma que a Santa Sé tinha somente um conhecimento mediante simples “vozes”, que não eram suficientes para poder tomar medidas disciplinares contra McCarrick. Eu afirmo, contudo, que a Santa Sé tinha conhecimento de uma multiplicidade de fatos concretos e que estava em posse de documentos probatórios e que, apesar disso, as pessoas responsáveis preferiram não intervir, ou foram impedidas de fazê-lo. As indenizações às vítimas dos abusos sexuais de McCarrick na arquidiocese de Newark e na diocese de Metuchen; as cartas do Pe. Ramsey, dos núncios Montalvo em 2000 e Sambi em 2006, do Dr. Sipe em 2008, minhas duas Notas sobre o tema a meus superiores da secretaria de Estado que descreviam com detalhe as acusações concretas contra McCarrick, são só vozes? São correspondência oficial, não fofocas de sacristia. Os delitos denunciados eram gravíssimos, e incluíam também os delitos de absolvição de seus cúmplices em atos obscenos, com a sucessiva celebração sacrílega da missa. Estes documentos detalham a identidade dos perpetradores, a de seus protetores e a sequência cronológica dos fatos. Estão custodiados nos arquivos correspondentes, não é necessário fazer ulteriores investigações para obtê-los.

Nas acusações que se verteram publicamente contra mim observei duas omissões, dois silêncios dramáticos. O primeiro está relacionado com as vítimas. O segundo com a causa principal de que haja tantas vítimas, isto é, sobre o papel da homossexualidade na corrupção do sacerdócio e a hierarquia. No que diz respeito ao primeiro silêncio, é avassalador que, em meio de tantos escândalos e indignação, se possua tão pouca consideração por quem foram vítimas de depredadores sexuais que haviam sido ordenados ministros do Evangelho. Não se trata de ajustar as contas ou de uma questão de carreiras eclesiásticas. Não é uma questão de política. Não é uma questão de como os historiadores da Igreja possam valorar este ou aquele papado. Estamos falando de almas! A salvação eterna de muitas almas foi posta em perigo; e seguem estando em perigo.

No que diz respeito ao segundo silêncio, esta gravíssima crise não pode ser abordada corretamente e resolvida enquanto não chamemos as coisas por seu nome. Esta crise está causada pela praga da homossexualidade em quem a praticam, em suas moções, em sua resistência a que seja corrigida. Não é uma exageração dizer que a homossexualidade se converteu em uma praga no clero e que só pode ser erradicada com armas espirituais. É uma hipocrisia enorme reprovar o abuso, dizer que se chora pelas vítimas e, no entanto, negar-se a denunciar a causa principal de tantos abusos sexuais: a homossexualidade. É uma hipocrisia negar-se a admitir que esta praga e devida a uma grave crise na vida espiritual do clero e não buscar os meios para resolvê-la.

Existem, sem dúvida, no clero violações sexuais também com mulheres, e também estas causam um dano grave às almas de quem as realizam, à Igreja e às almas de quem são corrompidas. Mas estas infidelidades ao celibato sacerdotal estão habitualmente limitadas às pessoas diretamente implicadas; não tendem, de por si, a difundir comportamentos similares, a encobrir delitos similares; em troca, as provas de que a homossexualidade é endêmica, que se difunde por contágio e que tem raízes profundas, difíceis de eliminar, são esmagadoras.

Se tem demonstrado que os depredadores homossexuais abusam de seu privilégio clerical em seu proveito. Mas reivindicar a crise mesma como clericalismo é um puro sofisma. É fingir que um meio, um instrumento, é em realidade a causa principal.

A denúncia da corrupção homossexual, e da vileza moral que permite que cresça, não encontra apoios nem solidariedade em nossos dias, nem sequer, por desgraça, nas mais altas esferas da Igreja. Não me surpreende que ao chamar a atenção sobre estas pragas, eu tenha sido acusado de deslealdade para com o Santo Padre e de fomentar uma rebelião aberta e escandalosa. Mas a rebelião implicaria empurrar os demais a derrocar o papado. Eu não estou exortando a nada disto. Rezo cada dia pelo Papa Francisco mais do que tenho feito por outros papas. Peço, mais, imploro ardentemente que o Santo Padre faça frente aos compromissos que assumiu. Ao aceitar ser sucessor de Pedro, tomou sobre si a missão de confirmar seus irmãos e a responsabilidade de guiar todas as almas no seguimento de Cristo, no combate espiritual, pelo caminho da cruz. Que admita seus erros, que se arrependa, que demonstre que quer seguir o mandato dado a Pedro e, uma vez que se arrependa, que confirme seus irmãos (Lucas 22, 32).

Concluindo, desejo repetir o chamamento a meus irmãos bispos e sacerdotes que sabem que minhas afirmações são verdadeiras e que estão em condições de poder testemunhá-lo, os que têm acesso aos documentos que podem resolver esta situação mais além de toda dúvida. Também vós estais ante uma decisão. Podeis eleger retirar-vos da batalha, continuar na conspiração de silêncio e desviar o olhar ante o avanço da corrupção. Podeis inventar escusas, compromissos e justificativas que posponham o dia do juízo final. Podeis consolar-vos com a hipocrisia e a ilusão de que amanhã, ou o depois de amanhã, será mais fácil dizer a verdade.

Ou podeis eleger falar. Confiai nAquele que nos disse “a verdade os fará livres”. Não digo que seja fácil decidir entre o silêncio e falar. Os exorto a considerar de que decisão não vos arrependeríeis de haver tomado quando estejais no leito de morte e ante o Juiz justo.

+ Carlo Maria Viganò

Arcebispo tit. di Ulpiana

Núncio Apostólico

19 de outubro de 2018

Memória dos Mártires de América do Norte

Visto em: thyselfolord.blogspot.com  via  www.rainhamaria.com.br

 

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