30.11.2017 -
Por Luís Dufaur
No mesmo ano de 1917 em que Lenin prometia na Rússia o triunfo universal do comunismo, Nossa Senhora assegurava em Fátima o triunfo do seu Imaculado Coração. Um embate profético que acena para um desfecho colossal em 2017.
Em 13 de julho de 1917, num simpático e esquecido vilarejo de Portugal, Nossa Senhora revelou a três pastorinhos um segredo carregado de anúncios. Tratava-se de uma profecia que julgava toda uma era histórica, vaticinava o seu futuro e lhe anunciava um desfecho trágico, mas triunfal. Entre os fatos previstos, um foi de difícil intelecção para os pastorinhos: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz”[i].
Francisco e Jacinta, hoje canonizados, e a própria Lúcia — a única que falava com Nossa Senhora — não entenderam quem era a tal “Rússia”. Mons. Liberio Andreatta, Administrador Delegado da Obra Romana de Peregrinações, que conversou com a Irmã Lúcia em três ou quatro ocasiões, ouviu dela: “Nós pensamos que era uma mulher de má vida e rezávamos por ela. Nós não sabíamos que existia uma nação com esse nome”[ii].
Duas profecias simultâneas e antagônicas
Enquanto a Santíssima Virgem aparecia no extremo ocidental da Europa, não longe do Atlântico, na outra extremidade do mesmo continente, nos confins da Ásia, antros infernais impeliam a Rússia a uma revolução que impactaria o mundo. Em 2 de março de 1917 o czar Nicolau II era forçado a abdicar pelos revolucionários mencheviques. Um governo provisório liberal-socialista presidido por Alexander Kerensky tinha confinado o czar e sua família, inicialmente no palácio de Tsarskoye Selo, e depois em Tobolsk, nos Montes Urais. Transladaram-nos por fim, juntamente com seus servidores, à Casa Ipatiev, em Ekaterimburgo, onde foram massacrados na noite de 16 para 17 de julho de 1918.
Enquanto Nossa Senhora advertia em Fátima para o flagelo dos “erros da Rússia”, Vladimir Lenin — o gênio tenebroso da mais sanguinária revolução da História — exortava em Moscou a colocação em prática desses erros, prometendo que, “tomando o poder simultaneamente em Moscou e em São Petersburgo, triunfaremos de modo indefectível”. Sua proclamação movimentou um punhado de ativistas ideológicos aterrorizados ante a imensidade dos crimes que seriam perpetrados. O núcleo revolucionário inicial foi engrossado por enxames de soldados entregues ao saque e à anarquia após a derrota da Primeira Guerra Mundial, bem como por brigadas de criminosos e “guardas vermelhos” do líder anarquista Leon Trotsky. Superando as possibilidades humanas, em 7 de novembro de 1917 (conforme o calendário gregoriano) a revolução profetizada tornou-se uma realidade infernal: Lenin depôs o governo provisório e a primeira revolução comunista marxista do século XX deu o poder aos bolcheviques.
Desde então, a Rússia difundiu pelo mundo um profetismo emanado de abismos de maldade, aglutinando e comandando todos os revoltosos da Terra. “Assim que subiu ao poder — escrevem os autores do Livro Negro do Comunismo — Lenin sonhou em propagar o incêndio revolucionário pela Europa e depois por todo o mundo. Inicialmente, esse sonho respondia ao famoso slogan do Manifesto do Partido Comunista, de Marx, em 1848: ‘Proletários de todos os países, uni-vos!’”[iii]. O alvo era todas as desigualdades sociais, econômicas, políticas, morais e religiosas. Doravante ninguém deveria se submeter a princípio moral ou religioso algum, mas, pelo contrário, insurgir-se contra toda superioridade, mando ou influência, condenados como formas retrógradas de “alienação” que devem ser extintas. Em termos humanos, ecoava o “não servirei” de Satanás em sua revolta contra Deus, que em toda a medida do possível deveria ser apagado da face da Terra junto com a Santa Igreja Católica.
Para enfrentar esse gigante de iniquidade que iria provocar, segundo estimativa moderada, mais de 100 milhões de mortes no século XX, Nossa Senhora escolheu três humildes pastorinhos portugueses. Por meio deles transmitiu sua profética mensagem convocando as almas sinceras à emenda de vida e à resistência moral para evitar a tragédia que despencava sobre o mundo e a Igreja.
Foi assim que em 1917 se iniciou um conflito de amplitude cada vez mais universal, ao qual poderíamos chamar de “guerra dos profetas”. Pois ambos os lados se opunham em virtude de uma profecia em choque com a outra. De um lado, a profecia de Fátima, que conclui com o triunfo do Imaculado Coração, e do outro uma infernal profecia proferida por Lenin, que inaugurava perseguições para extinguir a Igreja e instalar uma anti-ordem radicalmente gnóstica e igualitária. Ele também prometia o triunfo! E o segredo dessa negra profecia constitui a essência dos “erros da Rússia”, como Nossa Senhora a definiu na Cova da Iria.
O que são os “erros da Rússia”?
Mas, o que dizem os “erros da Rússia”? Faltaram pregadores, sacerdotes, teólogos, bispos ou autoridades de condição e conhecimento ainda mais elevados que explicassem para o povo o conteúdo desta “contraprofecia”. Se esse segredo tivesse sido desvendado e condenado pela Igreja, o afundamento como que irreversível do mundo no caos poderia ter sido evitado. O fato é que, os que sabiam, pouco ou nada ensinaram. E enquanto a humanidade foi durante décadas se deliciando com os prazeres da vida quotidiana, decaindo moralmente, afundando sempre otimista e displicente, o monstro girava em torno de sua casa e entrava pela porta dos fundos. Os “erros da Rússia” se generalizaram e se agigantaram inclusive na Igreja, e hoje tentam o assalto final com as blasfêmias, heresias e profanações mais inauditas. A maioria dos homens ouve seus uivos assombrada, alguns tentam reagir, mas não entendem a natureza do mal que os agride. É imprescindível entendê-lo para saber o que está acontecendo e agir com propriedade.
Para não nos alongarmos, citaremos apenas alguns excertos da petição assinada por 213 Padres Conciliares de 54 países, pedindo ao II Concílio Ecumênico Vaticano a condenação do comunismo. Ela constitui uma rara exceção ao silêncio destruidor que apontamos e sintetiza os “erros da Rússia” afirmando: “Serpeiam entre católicos numerosos erros e estados de espírito que encontram sua origem na Revolução Francesa e são espalhados pela propaganda bolchevista; eles tornam os espíritos propensos a aceitar as doutrinas marxistas e a estrutura social e econômica do comunismo. (os grifos são nossos). […]
“Os principais erros e desvios de espírito são os seguintes:
“1 – Dia a dia se torna mais comum a opinião de que é injusta toda superioridade social ou econômica, de modo que só a onímoda igualdade de fortuna entre os homens é que seria conforme ao Evangelho, erradicada, ademais, qualquer outra diversidade social. […] entendem esses católicos que todos os outros homens, que gozam de bens além da medida do estritamente necessário para viver, devem renunciar não só aos bens supérfluos, mas até aos que lhes são absolutamente necessários para poderem conservar o modo de vida segundo a posição social, que lhes é próprio. Por isso, para tais católicos, toda opulência familiar ou nacional deve ser sempre tida por roubo e injusta retenção de bens que pertenceriam às classes mais modestas. Daí deduzem […] que as classes mais modestas têm estrito direito aos bens que devem ser considerados necessários […] e podem tomá-los pela força. O que, quando aplicado ao convívio dos povos, resulta em que as nações de menor riqueza têm direito de exigir das nações mais cultas e ricas participação nos bens que estas possuem, quer de cultura, quer de fortuna. […]
“2 – a Santa Sé deve distribuir para ajudar os pobres e os necessitados, os tesouros do Vaticano e das Basílicas romanas, assim como as obras de arte que possui. Os bispos, os mosteiros e os presbitérios deveriam renunciar a todas as riquezas, conservando tão somente aquelas que fossem necessárias para manter estritamente a vida.
“3 – Tais erros são difundidos por muitos mestres pertencentes às fileiras do Clero. Propagando-se sob aparências de justiça e de caridade, induzem numerosos fiéis a admitirem falsas doutrinas e princípios, criam um espírito infenso à ordem social católica e tendente ao igualitarismo social. […]
“A sagacidade dos comunistas vem aplicando nos últimos anos um novo método estratégico. Proclama o governo russo a necessidade da coexistência pacífica, e ostenta uma liberalidade fictícia. Esta momentânea diminuição do rigor do sistema político cria a ilusão de uma certa evolução das nações comunistas, que, insensivelmente caminhariam para um tipo de sociedade que poderia ser tolerado e até desejado pelos católicos. […] Apoiados em tais opiniões, muitos católicos reputam que a chamada sociedade ocidental, por causa de abusos do regime capitalista sob o qual vivem, é pior que a sociedade comunista. Consideram, realmente, insanáveis os abusos do capitalismo, e por isso dizem que em nada interessa à causa católica que vivamos sob um regime ocidental livre, ou sob a servidão comunista. […]
“Essa geral infestação de ideias e de mentalidade marxista exige absolutamente do Concílio uma palavra que possa tranquilizar a consciência cristã. Essa palavra, segundo me parece, não pode ser omitida sem gravíssimo dano das almas. Realmente, o marxismo e o comunismo devem ser considerados como as maiores e mais perigosas heresias deste século; os fiéis, portanto, ficariam perplexos se o Concílio não tocasse em questão tão momentosa”.
“Rogo […] que o Santíssimo Padre determine a elaboração e o estudo de um esquema de constituição conciliar no qual:
“1 – se exponha com grande clareza a doutrina social católica, e se denunciem os erros do marxismo, do socialismo e do comunismo, sob o aspecto filosófico, sociológico e econômico;
“2 – sejam profligados aqueles erros e aquela mentalidade que preparam o espírito dos católicos para a aceitação do socialismo e do comunismo, e que os tornam propensos aos mesmos”. [iv]
Na mesma magna assembleia conciliar, 510 bispos de 78 países —mais de um terço dos bispos residenciais do mundo — imploraram ao Papa Paulo VI que, acompanhado dos bispos de todo o orbe católico, atendesse ao desejo de Nossa Senhora de Fátima e consagrasse a Rússia a Seu Imaculado Coração. O objetivo da petição foi “obter a paz para nossa época conturbada, remover as causas profundas de apostasia, conseguir a conversão dos que aderiram ao comunismo, impetrar a intercessão d´Aquela que ‘sozinha esmagou todas as heresias em todo o orbe’, obter a liberdade das nações nas quais a Igreja é perseguida, promover ubérrimos frutos de renovação da vida cristã dos fiéis”[v].
Se a condenação e a consagração tivessem sido solenemente efetivadas, o Concílio Vaticano II teria sido gloriosamente inscrito na linha dos desejos da Santa Mãe de Deus expressos em Fátima. A conversão da Rússia a teria arrancado das mãos das trevas e seria afastado do mundo o imenso flagelo comunista. Veremos o que aconteceu.
Duas escolas de profetas: a da alienação e a da desalienação
Os profetas dos “erros da Rússia” implantaram-nos no mundo inteiro. Além dos líderes russos como Stalin, Kruschev e Brezhnev, destacaram-se o chinês Mao Tsé-Tung; os italianos Antonio Gramsci, Palmiro Togliatti e Enrico Berlinguer; os franceses Maurice Thorez e Georges Marchais; os espanhóis Dolores Ibarruri, la Pasionaria, e Santiago Carrillo; o brasileiro Luís Carlos Prestes; o cubano Fidel Castro; o argentino Che Guevara, e ainda muitos outros que a exiguidade de espaço não nos permite elencar.
Em sentido contrário, Maria Santíssima inspirou almas seletas que falaram ao mundo com acentos proféticos no sentido da Mensagem de Fátima. Um exemplo foi São Maximiliano Kolbe O.F.M., alma de fogo e fundador da “Milícia da Imaculada”, de imensa difusão, sobretudo na Europa Oriental. Em 11 de fevereiro de 1937, durante um Congresso sobre Nossa Senhora de Lourdes, em Roma na presença de cardeais, bispos, nobres, professores e representantes das maiores ordens religiosas, ele afirmou: “A Imaculada é a vencedora do demônio, […] combate as batalhas de Deus para derrotar o mal, pelo triunfo do bem, esmaga a cabeça do monstro infernal e destrói todas as heresias do mundo. […] Ela é a vencedora. Aguardemos cheios de fé o dia em que um cavaleiro da Imaculada vai hastear bem alto no Kremlin, em Moscou, o estandarte branco da Imaculada”[vi]. Interrogado quando isso aconteceria, o santo sempre mencionava que uma universal “prova de sangue seria necessária para a realização”[vii] desse histórico evento.
Nosso Senhor revelou em diversas ocasiões à bem-aventurada Irmã Elena Aiello (1895-1961), fundadora das Irmãs Mínimas da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, o caráter de flagelo da Rússia. Ela recebeu do Céu um eco aumentado da Mensagem de Nossa Senhora em Fátima: “A Rússia desencadeará todas as forças do mal sobre todas as nações e destruirá a parte melhor de minha grei; esta passará pela purificação que será lembrada como o mais grave flagelo havido na história do mundo. […] Virá uma guerra que destruirá povos e nações, os homens caminharão sobre os cadáveres […]. A Igreja está ferida por dentro e externamente. Então as trevas cobrirão a Terra porque são dominadas por Satanás. As forças do mal avançam e as forças do bem retrocedem…”
E ainda, sobre a escalada dos maus costumes que hoje atingiu proporções inimagináveis, e que foi apontada por Nossa Senhora em Fátima como causa de todos os males e motivo do flagelo dos “erros da Rússia”, prosseguiu: “O pecado de impureza faz estragos na juventude, nas crianças, a família cristã não existe mais. Não fazem mais mistérios: querem expulsar Cristo das famílias, das escolas, das oficinas, da sociedade, das consciências […]. Roma será castigada […] a Rússia se elevará sobre todas as nações, especialmente sobre a Itália, e plantará a bandeira vermelha sobre a cúpula de São Pedro […]. A Rússia preparou armas secretas contra os EUA, contra a França e contra a Alemanha. […] O Papa terá que sofrer muito. O leão rugiente avançará sobre a cátedra de Pedro para difundir seus erros. O fel da Rússia envenenará todas as nações, especialmente a Itália […] a Rússia é guiada por Satanás, que quer o domínio absoluto da Terra […]. A Igreja será perseguida…”[ix].
Estas mensagens parecem ter sido acolhidas como dignas de fé pelo Santo Padre Pio que, para espanto dos que o ouviam, profetizou que os comunistas tomariam o poder “por surpresa, sem desfechar golpe […] Nós nos daremos conta disso da noite para o dia”. O santo religioso anteviu ainda que a bandeira vermelha flutuaria sobre o Vaticano. Entretanto, acrescentou, “isso passará”, deixando claro que será um episódio extremo, mas transitório.[x]
Na década de 30, quando a Rússia alimentava a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), responsável pelo martírio de milhares de sacerdotes, religiosos, religiosas e de leigos, Santa Faustina Kowalska padeceu especiais angústias pela Rússia e pela Espanha. Ela pedia por esses países, pelo Santo Padre e pelos sacerdotes. Em 16 de dezembro de 1936, após a Sagrada Comunhão, Jesus lhe disse da Rússia: “Eu não aguento mais esse país; minha filha, não amarre minhas mãos”. E a religiosa comentou: “Eu entendi que se não fosse pelas orações das almas amadas por Deus, essa nação teria sido totalmente aniquilada. Oh, quanto eu sofro por essa nação que expulsou Deus de suas próprias fronteiras!”[xi].
A voz dos Papas
Os Papas do século da “guerra dos profetas” não deixaram de perceber a magnitude apocalíptica da centúria engajada nessa luta. Por exemplo, contemplando o espetáculo do mundo, Pio XI concluiu ser “de tal maneira aflitivo, que já se poderia ver nele a aurora desse ‘início de dores’ que deve trazer ‘o adversário, aquele que se levanta contra tudo o que é divino e sagrado’” (2Tes 2,4).[xii]
Em uma de suas famosas Radiomensagens, Pio XII alertou o mundo que, “frente à corrente que ameaça arrastar a uma socialização total em cujo fim se tornaria pavorosa realidade a imagem terrificante do Leviatã, a Igreja travará a luta até o extremo”.[xiii]
Contemplando os horrores indizíveis decorrentes da aplicação dos “erros da Rússia” na Ucrânia, sua pátria, Mons. André Sheptyskyj, Arcebispo de Lvov e chefe do Rito Greco-Católico ucraniano, escreveu à Santa Sé: “Este regime só pode se explicar como um caso de possessão diabólica coletiva”. Também pediu ao Papa que sugerisse a todos os sacerdotes e religiosos do mundo que “exorcizassem a Rússia soviética”.[xiv]
A voz de um leigo brasileiro
Este imenso conflito entre a profecia de Fátima e as almas que a difundiam identificando-se com ela, de um lado, e a espécie de “contraprofecia” de Satanás condensada nos “erros da Rússia”, de outro, foi também percebido por leigos que se engajaram com acuidade e auxílio sobrenatural nessa lide suprema do século XX. Um exemplo característico é o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Em 1929, com apenas 20 anos de idade, ele escreveu ao fundador da Faculdade Paulista de Direito, Prof. José Pedro Galvão de Souza, uma carta na qual expõe, vários anos antes da divulgação da Mensagem de Fátima, aspectos essenciais dela:
“Cada vez mais se acentua em mim a impressão — escrevia Dr. Plinio — de que estamos no vestíbulo de uma época cheia de sofrimentos e lutas. Por toda a parte, o sofrimento da Igreja se torna mais intenso, e a luta se aproxima mais. […] Não tarda a tempestade, que deverá ter uma guerra mundial como simples prefácio. Mas esta guerra espalhará pelo mundo inteiro uma tal confusão, que revoluções surgirão em todos os cantos, […] Todo o bas-fond da sociedade subirá à tona, e a Igreja será perseguida por toda a parte. […] Como consequência, ou teremos un noveau moyen âge [uma nova Idade Média] ou teremos o fim do mundo.
“Que parte terá o Brasil nisto tudo? Que parte teremos nós? […] ao invés de imitarmos os Apóstolos que dormiam no Monte das Oliveiras, nós devemos ‘vigiar e orar’. Eis nossa principal tarefa. Prepararmo-nos para a luta, e preparar a Igreja, como o marinheiro que prepara o navio antes da tempestade”[xv].
Lendo essas linhas, não surpreende que o documentado biógrafo italiano Roberto de Mattei, que citamos, tenha incluído o Prof. Plinio entre os “profetas de Nossa Senhora” em sua erudita biografia intitulada Plinio Corrêa de Oliveira – Profeta do Reino de Maria[xvi].
O silêncio do Vaticano II
A “guerra dos profetas” gerou nos cinco continentes acontecimentos como a Segunda Guerra Mundial, revoluções e conflitos civis que encheram a história do século XX e cujo enunciado exigiria uma obra enciclopédia. Seja-nos permitido citar apenas dois episódios-auge desse confronto.
O primeiro é relativo ao Concílio Vaticano II. A Irmã Lúcia, a rogos de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, implorou às mais altas autoridades eclesiásticas a publicação da terceira parte do Segredo de Fátima em 1960, portanto antes do evento conciliar. Ainda se discute apaixonadamente por que esse pedido não foi atendido e as consequências catastróficas que se derivaram dessa omissão. Mas o fato é que, no clima de otimismo instalado no mundo e na Igreja nas décadas pós-Segunda Guerra Mundial, as vozes dos santos, dos mensageiros divinos e de espíritos de fé clarividentes foram tidas como as de “profetas de desgraças” que não compreendiam a felicidade especial do tempo. Nesse ambiente os “erros da Rússia” foram se infiltrando na Igreja, aproveitando-se da distensão fingida por Moscou e mencionada como um dos piores ardis anticristãos na petição dos 213 Padres Conciliares.
Então não só o apelo da vidente de Fátima não foi atendido, como também a petição dos Padres Conciliares ficou “esquecida” em alguma gaveta da burocracia vaticana. O Papa Paulo VI tampouco consagrou a Rússia de acordo com as condições pedidas por Nossa Senhora. Resultado: deu-se aquilo que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira resumiu num comentário lapidar:
“O êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo. Este Concílio se quis pastoral e não dogmático. Alcance dogmático ele realmente não o teve. Além disto, sua omissão sobre o comunismo pode fazê-lo passar para a História como o Concílio a-pastoral. […] atuaram como verdadeiros Pastores aqueles que, no Concílio Vaticano II, quiseram espantar os adversários minores, e impuseram livre curso — pelo silêncio — a favor do adversário maior? Com táticas aggiornate — das quais, aliás, o mínimo que se pode dizer é que são contestáveis no plano teórico e se vêm mostrando ruinosas na prática — o Concílio Vaticano II tentou afugentar, digamos, abelhas, vespas e aves de rapina. Seu silêncio sobre o comunismo deixou aos lobos toda a liberdade. A obra desse Concílio não pode estar inscrita, enquanto efetivamente pastoral, nem na História, nem no Livro da Vida.
“É penoso dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste sentido, o Concílio Vaticano II como uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja[xvii]. A partir dele penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a ‘fumaça de Satanás’, que se vai dilatando dia a dia mais, com a terrível força de expansão dos gases. Para escândalo de incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo entrou no sinistro processo da como que autodemolição.”[xviii]
Resistência à aproximação Vaticano-Moscou
Esse silêncio conciliar deixou o campo livre aos profetas dos “erros da Rússia” de fora e dentro da Igreja, impulsionando aquilo que Paulo VI definiu como “fumaça de Satanás”, e pôs de lado os “profetas de Fátima”. Propiciou assim, no período pós-conciliar, a abertura das portas para uma ativa aproximação diplomática da Santa Sé — conhecida como Ostpolitik — com os líderes de Moscou e seus acólitos que tiranizavam os países socialistas ou tentavam conquistar o mundo inteiro. Os heróis da resistência ao comunismo como o Cardeal Mindszenty e os bem-aventurados Cardeal Stepinac e Dom Matulionis foram tidos em conta de obstáculos ao novo rumo diplomático pelo vento novo. Os governos e movimentos anticomunistas — católicos ou não — que a Santa Sé até então apoiava, foram minados pelo desânimo e pelo abandono. Simultaneamente, altos hierarcas da Igreja se exibiam sorridentes ao lado dos “profetas” dos “erros da Rússia”, em gestos de repercussão internacional.
A resistência heroica dos minoritários e marginalizados “profetas de Fátima” foi se aglutinando cada vez mais em torno da voz a um só tempo filial e intransigente de Plinio Corrêa de Oliveira, sintetizada no impressionante manifesto A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas — Para a TFP: omitir-se? Ou resistir? Publicado em grandes jornais das Américas e do Velho Continente, ele manteve bem alto a posição que Nossa Senhora pediu em Fátima contra os falsos profetas dos “erros da Rússia”.
“A diplomacia de distensão do Vaticano com os governos comunistas cria para os católicos anticomunistas, uma situação que os afeta a fundo, muito menos enquanto anticomunistas do que enquanto católicos. […] Cessar a luta, não o podemos. E é por imperativo de nossa consciência de católicos que não o podemos. Pois se é dever de todo católico promover o bem e combater o mal, nossa consciência nos impõe que difundamos a doutrina tradicional da Igreja, e combatamos a doutrina comunista. […]
“O vínculo da obediência ao Sucessor de Pedro, que jamais romperemos, que amamos com o mais profundo de nossa alma, ao qual tributamos o melhor de nosso amor, esse vínculo nós o osculamos no momento mesmo em que, triturados pela dor, afirmamos a nossa posição. E de joelhos, fitando com veneração a figura de S.S. o Papa Paulo VI, nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade. Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe”.[xix]
Putin: o mais recente “profeta” dos “erros da Rússia”
Os “profetas” do mal requintaram seus estratagemas de metamorfose enganosa, a qual já havia sido denunciada in radice na petição não atendida dos 213 Padres conciliares. Na noite de Natal de 1991, em cerimônia transmitida para os quatro cantos do mundo, o líder máximo do comunismo russo, Mikhail Gorbachev, declarou astutamente a URSS extinta. Sim, “extinguira-se” a plataforma a partir da qual os “erros da Rússia” se espalhavam para o mundo inteiro! Estranhamente, todos aqueles que até havia pouco tempo declaravam ser impossível opor-se ao comunismo e que sua vitória seria irreversível, comemoraram o fato e abaixaram os braços, repetindo: “o comunismo morreu”.
Mas Dr. Plinio não se iludiu com essa onda de enganos e continuou denunciando as astúcias da metamorfose do comunismo após a qual os mesmos erros voltariam com outras máscaras. E assim foi. Após a década confusa de 1990, uma nova luz negra remanescente do velho sistema soviético começou a brilhar enganosamente na Rússia. Era Vladimir Putin, um ex-coronel da polícia secreta soviética, a KGB, que galgou os postos de comando do Kremlin e instalou seus colegas do serviço secreto em postos-chaves do governo e do Patriarcado de Moscou — velha dependência religiosa do esquema repressivo soviético. Numa habilidosa propaganda, foi apresentando Putin como um sucedâneo de Carlos Magno ou do imperador Constantino, vindo do Oriente para restaurar a religião e pôr fim ao caos que devora o mundo ocidental ex-cristão. Se no período que antecedeu a revolução russa o endemoniado Rasputin foi o grande enganador da Família Imperial dos Romanov, em cuja intimidade penetrou, Putin está sendo hoje erigido no mais recente e ousado “profeta” dos “erros da Rússia” no seio da sociedade ocidental.
Mas a profecia de Fátima é uma espada cravada no coração da Revolução anticristã. Ela aponta incessantemente os “erros da Rússia” como a tintura-mãe da “maior e mais perigosa heresia deste século” que está flagelando a humanidade infensa à penitência, segundo o apelo dos referidos Padres conciliares.
Neste centenário da Mensagem de Fátima e da Revolução bolchevista essa advertência é mais atual do que nunca. Após um século de confronto, a metamorfose dos “erros da Rússia” — encarnada pelo regime de Putin e soprada por inúmeros “companheiros de viagem”, inclusive na alta hierarquia da Igreja — emerge como manobra suprema tentando apresentar como “superada” e “desatualizada” a profecia de Nossa Senhora em Fátima. Em infernal sincronia, a Revolução Cultural no Ocidente se abate contra a família e as práticas religiosas católicas em meio a um lamaçal oceânico de blasfêmias e sacrilégios.
Quiçá esta seja uma agônica tentativa dos “erros da Rússia” contra o bastião do catolicismo autêntico. Pois tão despudorada ousadia do mal, que se ergue qual imensa serpente tentando galgar o trono de Deus e exterminar os fiéis, é de molde a que o Céu decrete o desfecho dessa “guerra dos profetas” iniciada um século atrás. Dar-se-á então o triunfo esplendoroso e definitivo do Imaculado Coração de Maria prometido por Nossa Senhora aos três pastorinhos em Portugal. Triunfo que será aclamado pelos católicos fiéis sobre as cinzas fumegantes dos erros do mundo revolucionário, com uma Rússia finalmente convertida à fé católica e o estandarte da Imaculada tremulando no topo do Kremlin, segundo previu São Maximiliano Kolbe. Soará então uma voz na Terra, proclamando: “Por fim, o Imaculado Coração de Maria triunfou!”
NOTAS:
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 803, Novembro/2017. Para fazer uma assinatura da revista, enviei e-mail para: [email protected]
[i]) Antonio Augusto Borelli Machado, Fátima: Mensagem de tragédia ou de esperança?, Artpress, São Paulo, 1997, 46ª ed., capítulo II.
[ii]) ACI Digital, 11-5-2017, http://www.acidigital.com/noticias/pastorinhos-nem-sabiam-da-existencia-da-russia-indica-sacerdote-59565/
[iii]) S. Courtois, N. Werth, J.-L. Panné, A. Paczkowski, K. Bartosek, J.-L. Margolin, O livro negro do comunismo. Crimes, terror e repressão, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1999, 917 págs.
[iv]) Catolicismo, janeiro de 1964, nº 157.
[v]) Catolicismo, março 1964, nº 159.
[vi]) Pe. Peter M. Daimian Fehlner FI, Roman Conferences of St. Maximilian M. Kolbe, Academy of the Immaculate, 2004.
[vii]) id. ibid.
[viii]) Vincenzo Speziale, Suor Elena Aiello Profeta di Dio ‒ Vita, opere e scritti della venerabile madre, Reverdito Edizioni, Trento, 1995, mensagens de 1952-1953, , págs. 50-55.
[ix]) Speziale, op. cit., mensagens de 1956 a 1961.
[x]) apud A firmeza doutrinal de Padre Pio, revista “Iesus Christus”, nº 64, 1999, http://farfalline.blogspot.com.br/2012/02/firmeza-doutrinal-de-padre-pio.html.
[xi]) Santa Maria Faustina Kowalska, Diario — La Misericordia divina nella mia anima, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2001, 8ª ed., 727 páginas, p. 299.
[xii]) Encíclica Miserentissimus Redemptor, Bonne Presse, t. IV, Paris, 1932, p. 110-112.
[xiii]) Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XIV, p.314.
[xiv]) Pe. Alfredo Sáenz S.J., De la Rusia de Vladimir al hombre nuevo soviético, Ediciones Gladius, Buenos Aires, 1989, pp. 438-439.
[xv]) Roberto de Mattei, Plinio Corrêa de Oliveira – Profeta do Reino de Maria, Artpress, São Paulo 2015, p. 425.
[xvi]) id. ibid.
[xvii]) Cfr. Sermão de Paulo VI, de 29/6/1972.
[xviii]) Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Artpress, São Paulo, 2ª ed, 1982, p. 67-68.
[xix]) “Folha de S. Paulo”, 10-4-1974.
Fonte: www.abim.inf.br
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