28.04.2017 -
O livre exame nega a necessidade de uma autoridade sobrenatural e torna impossível a unidade na Verdade.
Queridos amigos e benfeitores:
Há 500 anos, Martinho Lutero se revoltava contra a Igreja, arrastando consigo um terço da Europa – foi provavelmente a maior perda sofrida pela Igreja Católica durante sua história, depois do cisma do Oriente em 1054. Assim ele privou milhões de almas dos meios necessários à salvação, afastando-as não de uma organização religiosa entre tantas, mas realmente da única Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, da qual ele negou o caráter sobrenatural e sua necessidade para a salvação. Ele desfigurou completamente a fé, cuja qual ele rejeitou os dogmas fundamentais, que são o Santo Sacrifício da Missa, a presença real na Eucaristia, o sacerdócio, o papado, a graça e a justificação.
Na base de seu pensamento, que ainda hoje é a base do protestantismo em seu conjunto, há o“livre exame”. Este princípio equivale a negar a necessidade de uma autoridade sobrenatural e infalível que possa se impor aos julgamentos particulares e interromper os debates existentes entre aqueles que ela tem por missão guiar no caminho do céu. Este princípio claramente reivindicado torna totalmente impossível o ato de fé sobrenatural, que repousa sobre a submissão da inteligência e da vontade à Verdade revelada por Deus e ensinada pela Igreja com autoridade.
O livre exame, definido como princípio, não torna somente inacessível a fé sobrenatural, que é o caminho da salvação (“quem não crer será condenado ” – Mc.16,16), mas também torna impossível a unidade na Verdade. Dessa forma, estabeleceu como princípio a impossibilidade dos protestantes obterem tanto a salvação eterna como a unidade na Verdade. E, de fato, a multiplicação de seitas protestantes não para de crescer desde o século XVI.
Diante de um espetáculo tão desolador, quem não compreenderia os esforços empregados maternalmente pela verdadeira Igreja de Cristo em buscar a ovelha perdida? Quem nãosaudaria suas numerosas iniciativas apostólicas para libertar tantas almas aprisionadas neste princípio falacioso que lhes interdita o acesso à salvação eterna? Esta preocupação em retornar à unidade da verdadeira fé e da verdadeira Igreja atravessa os séculos. Não é nada novo, basta considerar a oração da Sexta-feira Santa:
“Oremos pelos hereges e cismáticos, para que Deus, Nosso Senhor, os liberte de todos os erros e se digne reconduzi-los ao seio da Santa Madre Igreja Católica e Apostólica”.
Onipotente e eterno Deus, que salvais a todos os homens e não quereis que ninguém se perca; tende compaixão das tantas almas seduzidas pelos artifícios do demônio; a fim de que, os corações transviados abandonem toda a maldade herética e se arrependam, e voltem a participar de Sua verdade.”
Esta linguagem tradicional não deixa nenhuma margem à confusão tão difundida atualmente em nome de um falso ecumenismo. As advertências da Congregação do Santo Ofício em 1949,seguidas de vários documentos pontifícios, dos quais o mais importante é, certamente, a encíclica Mortalium animos, de Pio XI (1928), estas justas advertências parecem agora ser letra morta. No entanto, os perigos deste irenismo ecumênico, denunciado por Pio XII na Humani Generis (1950), são imensos e gravíssimos, porque ele desencoraja as conversões ao catolicismo. Qual protestante, vendo os elogios às “riquezas” e ” veneráveis tradições” da Reforma de Lutero, sentiria a necessidade de se converter? Por outro lado, a própria palavra “conversão” está atualmente banida do vocabulário católico oficial, desde que se trate das outras denominações cristãs.
Além disso, essa nova atitude, feita de louvores pelo protestantismo e de arrependimentos parao catolicismo, provoca – é um fatoa perda da fé de inúmeros católicos. Todas as pesquisassobre a fé dos católicos evidenciam a devastação que este alinhamento terrível com os protestantes produz. Quantos católicos estão infectados neste século pelo que a Igreja condenou até o Vaticano II, sob o nome de indiferentismo? Erro funesto que afirma que todos estão salvos, seja qual for sua religião. Erro que se opõe diretamente aos ensinamentosmesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo e de toda a Igreja.
No entanto, ao se denunciar este erro contra a fé católica bimilenar, somos consideramos imediatamente como fanáticos ouextremistas perigosos.
É também em nome deste novo ecumenismo que foi inventada a nova liturgia. Ela mantém de tal modo vínculos com a Ceia protestante, que vários teólogos protestantes puderam afirmar a possibilidade de seus correligionários utilizarem o novo missal católico, assim como Max Thurian, em Taizé. E durante este tempo, os filhos da Igreja Católica foram privados dos mais belos tesouros do louvor divino e graça.
Como não se surpreender, então, que este ecumenismo que supostamente deveria promover a unidade dos cristãos, tenha tido pouco progresso?
Mons. Marcel Lefebvre, desde o Concílio, denunciou esta nova forma de proceder com os protestantes, que se abriga sob o nome de ecumenismo. De fato, este termo tão flexívelexpressa um modo geral de ver e agir, introduzido na Igreja durante o Vaticano II. Trata-se de uma benevolência demonstrada para com todos os homens, de uma vontade decidida de não mais condenar o erro, de uma busca constante do “que nos une” ao invés do que nos separa… E o que deveria ter sido apenas o primeiro passo de um caminho em direção à unidade, como marco de uma captatio benevolentiae, rapidamente se transformou em uma busca querida por si mesma, convertida em seu próprio fim; uma procura incessante de uma verdade indefinida, que se apartou de seu fim objetivo: o retorno à unidade da Igreja daqueles que haviam se perdido. Assim, o senso da palavra ecumenismo mudou, o conceito de unidade foi modificado, e os meios para alcançá-la foram distorcidos.
A clareza tradicional de uma Igreja que sabe ser a única verdadeira, e que o proclama em alto e bom som, foi substituída por uma doutrina nova e confusa – mistura de auto-degradação e de relativismo pós-moderno (“não possuímos toda a verdade”, por exemplo) – o que leva atualmente uma grande maioria dos católicos a rejeitar a afirmação de que só ha uma via de salvação, e que recebemos do próprio Jesus Cristo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim ” (Jo 14, 6).
Mudou-se abruptamente o sentido do dogma “Fora da Igreja não há salvação” por idéias confusas, chegando a alterar a afirmação da identidade da Igreja de Cristo e da Igreja Católica. O cardeal Walter Kasper, então presidente do Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, via na nova definição da Igreja (subsistit in) o que tornou simplesmente possível o ecumenismo promovido pelo Concílio. Vindo de tal personalidade, esta importante confissão deve ser levada a sério!
Aí está, em algumas palavras, as razões pelas quais não podemos celebrar com alegria o 500º aniversário da Reforma Protestante. Muito pelo contrário, lamentamos esta cruel laceração. Rezamos e trabalhamos, aos passos de Nosso Senhor, para que as ovelhas reencontrem o caminho seguro que as conduzirá à salvação, aquele da Santa Igreja católica e romana.
Rezamos também para que seja abandonado o quanto antes este irenismo ilusório, e para que, em seu lugar, renasça um verdadeiro movimento de conversão, tal como existia antes do Concílio, particularmente nos países anglo-saxões.
Finalmente, neste centenário das aparições de Nossa Senhora ao pastorinhos de Fátima, rezamos também para que sejam ouvidos os apelos da Santíssima Virgem Maria. Ela prometeu a conversão da Rússia, quando o Sumo Pontífice se dignar consagrar explicitamente este país ao seu Coração Imaculado. Vamos redobrar nossas orações e sacrifícios, afim que sem tardara promessa da Mãe de Deus se torne realidade.
Que Ela se digne, com seu divino Filho, cum prole pia, abençoá-los neste tempo pascal, e nosconduza todos à bem-aventurança eterna.
Domingo de Páscoa de 2017
+ Bernard Fellay
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
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