13.07.2013 -
Na emergência do Hospital Santa Clara, que atende pelo SUS no Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a palavra paciente não passa de um substantivo.
Basta olhar para os lados. Mesmo lotada, a sala de espera tem cadeiras vazias e pessoas em pé — cena que demonstra a inquietação de jovens e idosos que chegam a aguardar mais de 10 horas por atendimento.
O único conforto que eles esperam é ouvir técnicos e enfermeiros anunciarem seus nomes ou de seus parentes, um sinal de que o martírio pode estar próximo do fim. O mar de gente se esparrama por bancos no pátio e pela calçada, onde moradores do Interior formam filas para pegar a condução e retornar para casa. Vai e vem que se intensificou nos últimos anos, fazendo do local o ganha-pão de muitos vendedores ambulantes.
Com dor no braço, enjoo e pressão alta havia três dias, a aposentada Henerina Weber de Aguiar, 84 anos, permaneceu 18 horas no hospital, entre triagem, consulta e exames. A idosa só foi liberada às 20h30min, com uma receita de medicação para evitar as náuseas e a recomendação de que procurasse um cardiologista para investigar "um probleminha" no coração. Acostumados com a demora no atendimento, parentes combinaram um rodízio para que a aposentada não ficasse desamparada.
— É brabo. A gente olha para os rostos dessas pessoas e lembra que elas produziram a vida toda e mereciam um tratamento melhor. Se a gente pudesse, pagava uma plano privado — lamenta o neto Maiquel de Aguiar Mariano, 35 anos, analista.
A família, de Cachoeirinha, teve que buscar atendimento para a idosa na Capital, pois o hospital do município alegou não ter estrutura para tratar da suspeita de problemas cardíacos. Quando a reportagem conversou com a paciente, ela aguardava o resultado de um exame, que estaria demorando, segundo os familiares, devido à queda no sistema do hospital.
— Eles me atendem bem, mas não precisava ficar esperando tanto tempo no corredor. Os médicos não dão conta, é (muita) gente — disse Henerina.
Apesar de ter 12 leitos de observação, o Santa Clara contava com cerca de 30 macas ocupadas na sexta-feira. No entanto, conforme a enfermeira líder da emergência, Louise Bandeira Chagas, o dia era de fluxo normal. Até aquele momento, 73 boletins de atendimento tinham sido registrados — a média diária é de cem a 120.
Com mais de 12 horas sem dormir, o técnico em enfermagem Patrick Soares Antunes, 36 anos, criticava a demora da equipe em avaliar a necessidade de cirurgia de sua mulher. Para as dores de Maria Inês, a solução temporária era morfina, mas para a revolta de Patrick o remédio era o desabafo:
— É horrível. Falta tudo, de material à boa vontade dos profissionais.
Pagar um plano de saúde nem sempre é garantia de atendimento melhor. Na sexta-feira, pelo menos em termos de insatisfação, havia equivalência nas emergências pública e privada da Santa Casa. Com dificuldades na fala, Valmor Azevedo da Silva, 58 anos, entregou um bilhete a repórter para expor sua indignação: "Que convênio este. Estamos desde o meio-dia aqui e não chamaram o meu parente. Que vergonha. Aqui, só morrendo", eram os dizeres escritos a caneta no verso do cupom fiscal de um lanche feito às 16h5min e que custou R$ 7,50.
Morador de Guaíba, Valmor levou seu amigo de infância, que considera como irmão, o aposentado Adair José Rodrigues de Freitas, 59 anos, ao Centro Integrado de Emergências Médicas do Hospital Dom Vicente Scherer.
— Sou cardíaco, tenho problema de pressão e diabete. Estou com falta de ar e já passaram uns 20 na minha frente. É um desrespeito. Não venho mais aqui — afirmou Freitas, acompanhado da mulher, Zeloni.
Sentada ao lado de Freitas, Ana Helena Santos de Leão, 58 anos, em tratamento contra um câncer, aguardava atendimento havia três horas.
— Acho que tem pouco médico para atender a toda essa gente — palpitou sem saber que, ali, o número de profissionais é quatro vezes maior do que o da emergência da Santa Clara e o de pacientes, quase 20% menor.
Fonte: Jornal Zero Hora RS
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