07.09.2012 - O fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, disse que pode permanecer até um ano na embaixada do Equador em Londres, onde está refugiado desde junho.
Mesmo que isso ocorra, Assange estará longe de bater o recorde para casos desse tipo, que pertence ao cardeal húngaro, Jozsef Mindszety. O religioso passou 15 anos na embaixada dos Estados Unidos em Budapeste, na Hungria, fugindo da perseguição do regime soviético.
O drama teve início durante a chamada Guerra Fria, na madrugada do dia 4 de novembro de 1956. Um levante anticomunista estava sendo articulado, mas Mindszenty, que era o líder da Igreja Católica na Hungria e um notório opositor do regime, recebera informações de que tropas soviéticas haviam chegado à cidade para suprimir o movimento.
O cardeal se viu às voltas com uma escolha difícil: fugir ou ficar e ser preso. Durante a Segunda Guerra Mundial, Mindszenty já havia sido aprisionado pelas autoridades simpatizantes dos nazistas e se converteu em um crítico mordaz do governo comunista que se instalara na Hungria após a guerra.
Como resultado, ele passou oito anos na prisão, acusado de traição e foi libertado alguns dias antes do 4 de novembro de 1956 por forças contrárias ao governo comunista envolvidas no levante. Por isso, Mindszenty decidiu fugir.
Abrigo
Não muito longe dali, na embaixada americana, o sargento Gerald Bolick terminava sua ronda matinal quando avistou, olhando pela janela, quatro pessoas que se aproximavam: dois vestiam uniformes do Exército e dois vestiam roupas eclesiásticas pretas.
"Vi que um era o Cardeal Mindszenty", disse Bolick à BBC. "Corri para falar com meu comandante, disse que o cardeal estava a caminho e perguntei o que deveria fazer". "Cumpra seu dever", respondeu o superior. "Então, corri pelas escadarias abaixo e abri a porta."
Naquele momento, contou Bolick, a embaixada recebeu uma mensagem codificada de Washington. "Se o cardeal aparecer, dê abrigo a ele - era mais ou menos o conteúdo da mensagem". Bolick e a pequena equipe de fuzileiros navais responsáveis por proteger a embaixada se viram às voltas com um problema.
"Os soviéticos tinham ocupado a Rádio Magyar. Eles transmitiram uma mensagem dizendo que iam entrar na embaixada e levar o cardeal. E que isso aconteceria durante a noite". Os fuzileiros se prepararam para o ataque, reunindo todas as armas de que dispunham.
"Não íamos entregá-lo sem uma boa luta", relembra o sargento. "Quem quer que tivera a ideia de tirar o cardeal da embaixada, com certeza era um incompetente".
Após algumas horas de tensão, ficou claro que os soviéticos não iam invadir a embaixada. Mas o levante tinha sido suprimido. Os comunistas, com o apoio da União Soviética, retomaram o poder e milhares de húngaros foram aprisionados.
Dentro da embaixada, os aposentos do chefe da missão foram alocados ao cardeal. Eram duas salas - uma grande e uma pequena - e um pequeno banheiro. A embaixada era uma mansão de cinco andares situada em uma esquina no centro de Budapeste.
Passeios no pátio
Aos poucos, a vida do cardeal Mindszenty entrou em uma rotina, que incluía passeios diários em um pequeno pátio atrás do prédio. Durante essas caminhadas, os guardas ficavam de prontidão, atentos à possível presença de atiradores. Três lados do pátio eram cercados de prédios que com frequência eram usados pela polícia húngara.
Aquela rotina ainda era a mesma quando, 14 anos mais tarde, o jovem diplomata americano William Shepard assumiu seu posto na embaixada. O cardeal, no entanto, tinha aprendido a falar inglês. Durante sua primeira caminhada com o cardeal no pátio, Shepard se deu conta de que as forças de segurança não haviam se esquecido do religioso dissidente.
"Saí com ele e várias janelas se abriram. Era noite e havia flashes por toda a parte", contou. "O que está acontecendo?", perguntei. "Esses são os fotógrafos comunistas - a AVO (polícia secreta)- Eles estão tirando a sua foto. A ideia é que você se sinta intimidado." Shepard se encontrava regularmente com o cardeal.
"Ele nunca impunha sua presença. Eu olhava e, de vez em quando, lá estava ele no meu escritório. Eu me levantava e perguntava se ele queria conversar um pouco", o diplomata recordou. "Mas na verdade, ele passava a maior parte do tempo no seu escritório. Uma fixação particular que ele tinha era a ideia de escrever suas memórias".
O cardeal ocasionalmente relaxava. "Não sei ao certo se ele tinha uma TV, mas sei que às vezes ele assistia a filmes". Segundo o diplomata, o cardeal havia detestado um filme baseado em sua própria história que assistira.
O clima político foi melhorando aos poucos e muitos dos presos foram libertados. Após debater "o caso da Hungria" durante anos, a ONU aceitou formalmente, em 1963, as credenciais do novo governo húngaro.
No entanto, tirar o cardeal da embaixada continuava sendo um problema. O religioso tinha ficado no centro de um impasse da Guerra Fria que envolvia o governo húngaro, a União Soviética, os Estados Unidos e o Vaticano. Pessoalmente, ele relutava em fazer qualquer acordo enquanto os comunistas permanecessem no poder.
"Do seu ponto de vista, as coisas eram muito rígidas", contou o diplomata. "Não somos livres agora, deveríamos ser - então por que negociar com essas pessoas?" - era a lógica do cardeal, nas palavras de Shepard.
Mas Mindszenty também teria demonstrado, em raras ocasiões, sua frustração. "Lembro que um dia, após uma missa na embaixada, ele disse - a ninguém em particular: ''O que estou fazendo aqui? Tantas pessoas precisando de ajuda. O que estou fazendo aqui?''"
Aceno
Por volta de 1971, os Estados Unidos tentavam melhorar suas relações com a Hungria. Com o apoio dos americanos, um acordo foi feito, apesar de alguma resistência por parte do cardeal: Jozsef Mindszenty deixaria a embaixada no dia 28 de setembro de 1971.
Sua partida seria mantida em segredo, não haveria multidões para assistir à sua saída. A rua em torno da embaixada foi bloqueada e o parque em frente ao prédio estava vazio. Mas a esposa de Shepard, Lois, havia decidido que alguém precisava ser testemunha daquele momento, os primeiros passos do cardeal fora da embaixada em 15 anos.
"A porta se abriu, e eu consigo ver a cena até hoje. Ele parou ali, com seu suntuoso manto vermelho, e acenou largamente, como que para multidões", diz Lois Shepard. "Eu estava parada ao lado do meu carro e acenei de volta, sorrindo. Ele sorriu para mim, ele me viu. Entrou no carro, as cortinas pretas foram puxadas nas janelas e ele se foi."
O cardeal voou para Roma, onde publicou as memórias que escrevera durante o período na embaixada. Quando se recusou a se aposentar do posto que ainda ocupava na Hungria, o Vaticano retirou seu título. Jozsef Mindszenty morreu no exílio, em Viena, em 1975, aos 83 anos. Dentro do prédio da embaixada americana em Budapeste, uma placa comemora o seu hóspede com a estadia mais longa.
Fonte: Terra noticias